Refugiados, crise climática, pandemias, armas biológicas e nucleares, terrorismo, globalização, avanços tecnológicos. Esses são alguns dos tópicos que causam grande impacto na tarefa missionária da igreja em nossos dias. A afirmação é do missiólogo Jonathan Lewis, apresentada no artigo “O perfil do missionário em um mundo turbulento” e que inspira a reflexão deste texto.
Segundo Lewis, vivemos o paradoxo de desfrutar do melhor e do pior tempo da história da humanidade. Temos grandes avanços tecnológicos que possibilitam uma vida mais longa e produtiva para muitos, ao mesmo tempo em que grande parte dos seis bilhões de habitantes do planeta tem uma péssima qualidade de vida.
Como a Igreja de Cristo pode cumprir a tarefa missionária que lhe foi confiada? Quais as implicações da globalização e do secularismo no trabalho missionário e na relação entre igreja, agência e missionário? Vejamos a seguir as sete questões destacadas por Jonathan Lewis e quais seus impactos em missões.
1. Perspectiva Escatológica
“E este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo como testemunho a todas as nações, e então virá o fim.” (Mateus 24:14). Na percepção do missiólogo, o mundo de hoje é muito similar ao descrito por Jesus no evangelho de Mateus, quando ele descreve o fim. O plano missionário de Deus, que engloba a gama ampla de tudo o que Deus faz para cumprir com a pregação do evangelho a todas as nações, vai continuar até o fim. Neste sentido, a missão pode realizar-se por qualquer meio que Deus queira utilizar. “A missão não muda, mas sim suas formas e normas”, afirma Lewis.
A ideia apresentada pelo missiólogo é que as adversidades desses tempos são “oportunidades” para a Igreja estender o reino de Deus. Assim como no passado a perseguição aos crentes e sua consequente dispersão serviram para espalhar o evangelho, Deus está movendo grandes populações de não-alcançados como imigrantes a países povoados de cristãos, onde essas pessoas podem ter um encontro pessoal do Jesus (Atos 17.26,27). Sobre isso, Jonathan diz: “Há muita missão transcultural a realizar-se entre esses imigrantes por parte da igreja, sem necessidade de enviar missionários a grandes distâncias.”
2. O potencial da tecnologia
O desenvolvimento das tecnologias e dos meios de comunicação tornaram pequeno o nosso mundo. Por meio de um smartphone ou notebook conectado à rede mundial de computadores podemos falar com qualquer pessoa, em qualquer canto do mundo a qualquer hora. Podemos acessar diversos conteúdos, fazer cursos, assistir musicais, visitar museus, receber notícias, fazer pesquisas, conversar com pessoas através de vídeos-chamadas entre tantas outras coisas, tudo a apena um clique.
Além da comunicação, outra área que a tecnologia tem impactado de forma significativa são os transportes. Com os meios disponíveis hoje é possível sair de qualquer país e estar em qualquer outro dentro de 24 horas. Janathan Lewis escreve lembrando que “quando William Carey navegou da Inglaterra até a Índia em 1790, a passagem para ele e sua equipe custou o equivalente a 50 anos de um salário mínimo. Hoje, a mesma viagem (dessa vez por via aérea) custa uma fração de um salário mensal (em termos de países desenvolvidos).”
Há muitos que resistem ao desenvolvimento tecnológico. A verdade é que esses e muitos outros avanços da tecnologia resultam em grandes impactos na tarefa missionária da igreja, bem como no perfil daqueles que se dedicam a esse trabalho. Vale lembrar que, ao invés de atribuir valor moral à tecnologia, esses artefatos podem ser utilizados tanto o bem como para o mal, assim como o dinheiro, a influência e tantas outras coisas. “O apóstolo Paulo utilizou os meios tecnológicos ao seu alcance (como passagens em barcos e a palavra escrita) para realizar a tarefa de evangelização.”, comenta Lewis.
3. Mudanças nas agências missionárias
Historicamente, igrejas e missões sempre adotaram estruturas já existentes na sociedade para poderem desempenhar a tarefa missionária, seja quanto ao recrutamento, capacitação ou envio de missionários.
Jonathan Lewis explica: “O movimento moderno protestante utilizou estruturas que correspondiam ao modelo empresarial que surgiu em sua geração. As sociedades que se criaram foram manejadas com os critérios que correspondiam ao padrão comercial. Eventualmente, essas estruturas foram modificadas com o correr do tempo. Hoje em dia, falamos de “agências missionárias” que se manejam em muitos sentidos, como empresas modernas.”
Nos últimos anos, grandes mudanças têm ocorrido na estruturação de empresas. Estruturas piramidais com vários níveis de supervisão estão dando espaço para estruturas planas com menos níveis hierárquico. Isso tem impactado o mundo missionário. Agências missionárias de países históricos estão adotando esse modelo de estrutura e estão desfrutando de crescimento e bons resultados. Por outro lado, agências que seguem o padrão hierárquico com tomada de decisões centralizadas têm diminuído em membresia e, em muitos casos, acabam tendo que fechar as portas ou buscar caminhos para sobreviver.
4. A força das alianças internacionais
Jonathan Lewis chama a nossa atenção para a forma que a globalização tem afetado as empresas. Ele descreve: “A cada dia se escutam notícias de grandes empresas internacionais que historicamente foram competidoras, agora unindo esforços e formando sociedades para trabalhar em conjunto”.
No mundo missionário, alianças estratégicas também estão sendo formadas para o alcance de grupos culturais ou geográficos. Neste sentido, não tem sido incomum ver uma equipe missionária integrada por batistas, pentecostais e presbiterianos trabalhando em conjunto.
Lewis comenta: “Este novo contexto de parcerias estratégicas requer que o missionário seja flexível, entenda e aprecie as diferentes perspectivas doutrinárias e culturais. Isso requer humildade e habilidade de ver a meta de almas achegadas ao Senhor por meio do testemunho e trabalho da equipe.”
5. O pluralismo religioso
Sabemos que nem todas as pessoas estão de acordo que Jesus Cristo é o Senhor, pois vivemos num mundo cada vez mais plural, diversificado e relativista. Dos seis bilhões de habitantes na Terra, somente um terço se identifica como cristão. Lewis explica que, no Ocidente, o pluralismo religioso prega o direito de cada um crer em qualquer deus e religião, afinal “se é verdade para você, é sua verdade. E a sua verdade não é necessariamente minha verdade”.
Neste cenário, qualquer proclamação de Cristo como único Senhor pode ser repudiada e ainda condenada como intolerante. O exemplo concreto é que missionários em países onde dominam as grandes religiões como o islã, o budismo e hinduísmo, estão sendo atacados por uma nova onda de fundamentalismo. Lewis orienta que “o missionário tem que enfrentar essas realidades com a sabedoria da serpente e a inocência da pomba”.
6. O perfil missionário
Os desafios e peculiaridades do mundo contemporâneo não podem ser enfrentadas com conceitos e estratégias missionárias tradicionais do século passado. Os países onde vivem grandes grupos que ainda não conhecem o evangelho não permitem a entrada de missionários tradicionais. Essa realidade é propícia para a atuação do missionário bi-ocupacional – aquele que vai a outro país com a Palavra em uma mão e sua ferramenta de serviço na outra.
Lamentavelmente, a abordagem equivocada do conceito do missionário bi-ocupacional produz resultados deficientes em questões éticas e teológicas. O equívoco consiste na velha e falsa dicotomia entre o “sagrado” e o “secular”. Lewis esclarece: “A posição bíblica é que tudo o que fazemos é “sagrado” se o consagramos a Deus. Todos estamos chamados a realizar nossa vocação por meio de todas as nossas ocupações e não apesar delas (1Co10.31). Para isso, a igreja necessita mover-se para eliminar de uma vez a distinção entre ministros laicos e profissionais”.
O sistema bi-ocupacional para o envio e sustento do missionário possui um benefício de caráter bastante pragmático, quanto a recursos financeiros. Jonathan Lewis explica que a maioria dos grupos não alcançados se encontra em países empobrecidos, com histórico de fracasso em receber apoio econômico direto de países desenvolvidos. Tendo isso em vista, os tais países desenvolvidos estão canalizando apoio econômico e social para organizações não-governamentais e fundações que atuam nesses países em desenvolvimento. “A igreja está descobrindo este meio para inserir obreiros bi-ocupacionais e assim realizar suas metas. A oportunidade é enorme e a igreja tem que fazer muito mais, para aproveitar-se disso”, destaca o missiólogo Lewis.
7. As forças espirituais
Hoje a igreja está despertando para a necessidade de enfrentar diretamente as forças satânicas que tem cegado os olhos de milhões, por milênios. A igreja sempre tem tido os dons e sempre tem possuído as armas espirituais. Porém nem sempre as utilizou com um enfoque maior. Graças a este despertar para a guerra espiritual, o enfrentamento de potestades e poderes está sendo encarado de forma específica e sistemática. Na medida em que a igreja se mobiliza para marchar sobre seus joelhos e levanta guerreiros espirituais, terá êxito na grande luta pelas almas de milhões.
Como fazer missões hoje?
A grande verdade é que Deus cumprirá seus propósitos com ou sem o esforço voluntário da igreja. Porém, destaca Lewis, o povo de Deus vive um momento de grande avanço e cumprimento da tarefa missionária. Os sete pontos apresentados são oportunidades para impulsionar o trabalho missionário e a igreja global está captando a visão.
Ferramentas tecnológicas facilitam a comunicação, a mobilização e o envio de recursos. Estruturas de envio estão se tornando mais eficientes, descentralizadas e dispostas a colaboração. Alianças estratégicas surgem entre igrejas que juntas podem realizar projetos que sozinhas não empreenderiam. Tudo com uma visão de evangelizar aos povos “até o último da terra”, e por tudo isso, Jonathan Lewis afirma, adoramos a Deus.
Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.