Texto de Luíz Bruneto
Numa aula de Escola Bíblica, um senhor de certa posição de liderança dentro de sua comunidade, me perguntou porque o povo da cidade não ia à igreja. Sabemos que muitas questões poderiam ser levantadas diante desse fato, dada a realidade de cada comunidade. Contudo, creio que a principal razão da cidade se afastar da igreja é que não atendemos as suas reais necessidades, e nossa ação se restringe à mensagens muitas vezes irrelevantes, alienantes e enfadonhas.
Segundo C. Timóteo Carriker, a resposta de Deus para a cidade se encontra primordialmente na igreja.[1] Por isso, a igreja necessita de uma pastoral voltada para as necessidades das pessoas da cidade, e isso pode fazer muita diferença. Uma “pastoral urbana para a realidade” deve desenvolver um ministério para as pessoas. No episódio da transfiguração (Lc 9: 28-36), onde os discípulos queriam ficar na montanha, o Mestre relembrou que é junto do povo que teriam que estar. A igreja deve estar pronta para orar no monte e depois descer para junto do povo. Estar junto da cidade nos faz ver a realidade que as pessoas estão inseridas e descobrir quais são suas reais necessidades.
Mas por que a igreja não age na cidade? Ela sabe que deve seguir as ordens de Jesus, deve levar o Evangelho do Reino a todas as esferas da cidade, sabe que necessita ser relevante no contexto da cidade, então porque não faz?
Vamos tomar por base o texto “Viver na Cidade” [2] de José Comblim, teólogo católico e adaptá-lo à realidade protestante histórica. Ele diz que essa falta de ação é simplesmente o resultado da ação do clero em geral e das paróquias em particular.
Em primeiro lugar, o povo não age na cidade porque os pastores estão interessados em mobilizar todo a ação dos crentes para a conservação e expansão da própria igreja. Porque? Porque ele teme que quando as pessoas de sua igreja começarem a se preocupar com as tarefas na cidade, não farão as tarefas da igreja. Teme que o crente se contamine com as coisas profanas da cidade. Teme perder o controle sobre os crentes, porque a partir da ação na cidade, ele começa a ter contato com outras formas de pensar e agir.
Depois, a própria igreja invoca as razões éticas para limitar rigorosamente todo o agir. Qualquer ação concreta se expõe de tal maneira a tantas críticas morais, que é melhor e mais seguro ficar sem fazer nada. Qualquer agir concreto nas circunstâncias históricas reais está sujeito a tantas restrições, que o mais seguro é não meter-se nos assuntos da cidade.[3]
É nesse contexto de falsa moralidade que a igreja se perde. Ela tenta se tornar tão “santa” e se afastar tanto do que ela considera “profano”, que acaba por se tornar cada vez mais hipócrita. Se o Senhor Jesus garantiu que quando fazemos o bem a alguém, seja uma visita a um enfermo, a um preso, seja quando cobrimos alguém que está nu ou seja quando damos um copo de água a alguém que tem sede, estamos fazendo ao próprio Senhor (Mt 25:35-40), porque nos isolarmos das pessoas? Parece mais uma estratégia maligna.
Num terceiro momento, a igreja não age na cidade por dois fatores ligados à política. O primeiro é que os pastores criticam de tal maneira tudo que se relaciona ao assunto, que os crentes acham que tudo isso é do diabo. Não há como falar de política dentro da igreja sem ser exorcizado. O perigo disso é que os crentes vivem cada dia mais alienados, longe de suas realidades, vivendo duas vidas: uma dentro do contexto eclesial (“aqui não se fala dessas coisas”) e outra no contexto social (porque não existe como viver isolado nesse mundo).
O segundo, e isso é bem típico e vergonhoso em nosso meio. Muitos pastores, em época de eleições, fazem “pedidos” aos candidatos, prometendo votos. É telha daqui, tijolo dali, e uma mão lava a outra. O famoso “jeitinho brasileiro” entrando na vida da igreja. Os crentes não estão alheios a esta situação, e por isso mesmo os que tem coragem, ou enfrentam a situação, ou acabam abandonando a igreja local e até mesmo a sua fé.
Num quarto momento, a pregação dos pastores é um exercício de chantagem moralista. A mensagem intimida os crentes, que até querem realizar alguma coisa na Associação de Bairro local, mas sentem-se inseguros, com medo de se tornarem citação no próximo sermão pastoral.
Por último, os crentes só vão participar de alguma coisa em prol da cidade se o serviço for valorizado pela própria igreja. Portanto, a igreja e os pastores têm a função de serem gestores no sentido de incitar os crentes a se envolverem com a ação na cidade.
O papel da igreja é muito maior do que só pregar. Como portadora da melhor notícia que já se ouviu, ela deve também testemunhar viva e eficazmente a Cristo através de seu envolvimento com a ação na cidade. Sem esse envolvimento, seremos simplesmente como “bronze que soa” ou como “címbalo que retine” (1 Co 13:1).
[1] C. Timóteo CARRIKER. Princípios Missiológicos para uma pastoral urbana no Brasil. IN: Boletim Teológico – FTL Brasil. Londrina: FTL-B, 1995: 26, p. 39
[2] José COMBLIN. Viver na cidade. IN: Curso de Verão Ano VIII. 2 ed. São Paulo: CESEP-Paulus: 1994.
[3] José COMBLIM. Op. Cit. p.73