O mundo tem passado por profundas e rápidas mudanças políticas, socioeconômicas, tecnológicas e ambientais. O que paira no ar é um clima de incerteza, que boicota qualquer possibilidade de planejamento e projeções a longo prazo. O cenário que se coloca impõe grandes desafios para a igreja, bem como para pastores, missionários e líderes no exercício de suas vocações.
É possível voltar ao que era antes e experimentar aquele tempo tão bom que ficou para trás? Se é preciso ir em frente, como perseguir o chamado em meio a tanta instabilidade?
Para muitos, é comum apegar-se ao passado, como um “tempo de ouro”, e insistir na volta de cenários, situações e modelos que não cabem mais na realidade atual. Em artigo[i] no site Christianity Today, Jeremy Sabella, diz que para perseverar em tempos difíceis é preciso não transformar a nostalgia em bezerro de ouro. Sabella lembra as palavras de C. S. Lewis que diz que a obra do Espírito se desenvolve no presente e responder ao Espírito requer “obedecer à voz presente da consciência, carregar a cruz presente, receber a graça presente, agradecer pelo prazer presente”.
Sabella explica que a nostalgia, em pequenas doses, pode servir para revigorar, como quem se anima ao relembrar os velhos amigos. Entretanto, adverte o autor, “a nostalgia desenfreada nos leva a nos apegar ao bezerro de ouro que nos lembra o passado, em vez de reconhecer as colunas de nuvens e de fogo que nos guiam através de nosso presente incerto”.
Afeto para seguir
“Prezados amigos, vocês não têm ideia da saudade que sentimos de vocês, embora não tenha passado tanto tempo. Estamos separados apenas no corpo, não no coração” (1 Tessalonicenses 2.17, A Mensagem)
O pastor Sinvaldo Queiroz, da Igreja Batista da Cidade, em Vitória da Conquista (BA), compartilhou conosco o versículo acima e comentou sobre como o distanciamento social afetou sua comunidade de fé e sua prática pastoral nos últimos tempos. Diante desse desafio, Queiroz destaca a proximidade afetiva como um fator que o impulsiona a seguir em frente.
Além do distanciamento social, Sinvaldo adverte que a igreja tem sofrido com a fragmentação, as divisões e a polarização. Na percepção dele, a pandemia da Covid-19 trouxe à tona o tamanho das distâncias sociais que há entre ricos e pobres, brancos e negros, classe política e classe trabalhadora, grandes empresários e desempregados da nação. Ele critica: “Ainda convivemos com uma adoecedora e idolátrica binaridade político-ideológica que se acentua dia após dia, gerando um abismo ainda maior entre nós. Sem falar na intolerância religiosa que, em nome de ‘deus’, demoniza, rotula e agride aquele que é, e sempre deveria ser o nosso próximo”.
Para superar o distanciamento, a segregação e estagnação, o pastor Sinvaldo propõe o caminho de uma intencional proximidade afetiva, um caminho de cuidado, generosidade e ternura. Ele convida: “Quem ama nunca se distancia, quem é amado jamais estará isolado. Podemos momentaneamente estar distanciados fisicamente, mas os nossos corações estão mais aproximados e afeiçoados do que nunca”.
Ajustando o foco
Quando enfrentamos situações difíceis, é comum buscarmos solução focando no presente e, geralmente, esquecemos da ressurreição no último dia. O teólogo Heber Campos Jr., em artigo[ii] publicado no site Voltemos ao Evangelho, comenta:
“Sempre buscamos solução e descanso presente. Nunca falamos da ressurreição no último dia ao aconselhar. Não estamos acostumados a falar do porvir como nosso descanso presente. Não conseguimos encorajar as pessoas como Paulo o faz em 1 Coríntios 15, quando ele disse que, se nossa esperança se limita a essa vida, somos os mais infelizes de todos os homens. O Salmo 73 mostra a falência de oferecer consolo apenas com base no alívio presente.”
Héber enfatiza que o nosso foco revela a nossa cosmovisão e é ela que norteia a nossa visão e as nossas expectativas. Portanto, segundo o teólogo, é preciso ajustar o foco e aprender a perseverar entre o já e o ainda não. Ou seja, o reino de Deus ainda não está consumado, mas ele já é real e o fato de já termos a eternidade deve ser tremendamente encorajador.
A missão e a esperança
Outra perspectiva que pode auxiliar pastores, líderes e missionários a avançarem em meio aos tempos difíceis, é a convicção da missão. O pastor e teólogo, Ronaldo Lidório, lembra da importância de perseguir o cumprimento da missão[iii]. Ele escreve: “Em Atos 8 vemos que a igreja não pausou sua missão durante a grande perseguição. Ao contrário, mesmo sendo dispersos iam por toda parte pregando a Palavra. Em momentos de incerteza Deus levanta uma igreja convicta. Em dias de sofrimento Deus fortalece a sua igreja para a missão”.
É importante lembrar o papel fundamental dos líderes para que a igreja não fique estagnada, mas persevere no cumprimento da missão, sem ficar embaraçada com as distrações. Em artigo[iv] publicado no Portal Ultimato, Josué Campanhã comenta: “Em tempo de crise o que se espera de líderes é que liderem. Isto significa escolher perseverar em vez de criticar. Orar em vez de comentar posts nas redes sociais. Avaliar a própria vida e pedir graça de Deus, em vez de querer saber os detalhes e as fofocas do que aconteceu. Focar na missão e no chamado de Deus em vez de gastar mais tempo do que o necessário com aquilo que não vai edificar”.
A esta altura, compreendemos que é preciso perseverar, sem se apegar demasiadamente ao passado e sem perder tempo com as distrações, de maneira que pastores, líderes e missionários ministrem e conduzam suas comunidades e projetos no cumprimento da missão. Para isso, uma palavra chave que a fé cristã oferece como parte da resposta é a esperança. Novamente, citando Jeremy Sabella:
“A esperança, no sentido bíblico pleno, surge das dificuldades: ‘a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança’. Essa esperança permanece justamente porque é obra do Espírito: ‘a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu’ (Rm 5.3-5). A esperança cria raízes quando o povo de Deus segue a inspiração do Espírito para enfrentar a presente provação. A nostalgia, por outro lado, pode tentar-nos a alimentar fantasmas de um passado utópico, em vez de enfrentar as dificuldades atuais. Entregar-se às fantasias do passado tira do povo de Deus a oportunidade de cultivar uma esperança que vence o desespero.”
Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.
[i] Our Nostalgia Is Spiritually Dangerous
[ii] Encontrando esperança na Palavra em meio ao luto
[iii] Covid-19: as incertezas e a surpreendente intervenção de Deus
[iv] Escândalos, sabedoria e perseverança