Texto da Série “De pastor para pastor: Lições do pastorado na pandemia”
“Um pastor anunciou à sua igreja que ele não podia mais continuar. Ele os amava. Ele estava orgulhoso do trabalho que haviam feito juntos por anos. Mas suas prioridades estavam desajustadas. Ele havia posto todo seu tempo e energia na igreja e havia negligenciado sua própria saúde espiritual e emocional. Ele pediu à congregação que orasse por ele e sua família enquanto enfrentavam a próxima difícil fase de suas vidas. Então ele reuniu a igreja de 20 pessoas para orarem juntos uma última vez. Oraram, abraçaram, choraram e disseram adeus.”
O parágrafo acima é um trecho adaptado de um relato descrito por Karl Vaters ao Christianity Today[i]. Karl é autor de livros, tem 40 anos de experiência pastoral e é pastor da Cornerstone Christian Fellowship, em Orange County, Califórnia. Para Ele, esse caso ele descreveu não foi o primeiro e nem o último. Pastores que abandonam o ministério é algo mais frequente do que se imagina. “Este ano, milhares vão deixar o ministério, esgotados e machucados. De igrejas grandes e pequenas, em crescimento e estagnadas”, afirma o autor.
Ele pontua que muitas vezes há maior ênfase quando se trata de pastores com destaque nas mídias ou que lideram igrejas grandes e que os sucessos e as dores de pastores de igrejas pequenas são ignoradas e esquecidas. Vaters acrescenta: “Ambos são igualmente machucados. Ambos carregam o peso dos problemas que os levaram a deixar a igreja, e frequentemente o ministério. A dor do pastor da megaigreja é intensificada por falhar debaixo dos holofotes, enquanto que a dor do outro é aumentada por cair no anonimato. Esquecido por quase todos. Ambos os cenários são tóxicos. Eles entristecem o coração de Jesus, prejudicam Sua igreja, devastam as famílias dos pastores, arruínam ministérios e tornam difícil aos membros da igreja confiar num pastor novamente – ou confiar em Deus novamente.”
O que leva um pastor ou líder a desistir do ministério?
Para Raph Neighbour Jr, que há 43 anos atua como consultor com pastores ao redor do mundo, a desistência do ministério tem origem nas mais diversas causas. Em artigo publicado no site do Instituto Jetro[ii], Neighbour afirma que uma das causas mais comuns “é o desânimo dos pastores frente às congregações que têm uma mentalidade consumista e que esperam do pastor o suprimento de todas as suas demandas egoístas enquanto se negam a participar ativamente do ministério”.
O consultor comenta que há uma expectativa muito grande da congregação para com a figura do pastor, especialmente quando a igreja é pequena ou média e quando não há uma equipe pastoral para que as funções sejam compartilhadas. Neste cenário, um único líder ou pastor acaba tendo que desempenhar variados papeis, como professor, orador, organizador, captador de recursos, conselheiro, etc. E muitas vezes precisa ainda ser um bom político, para agradar àqueles membros da igreja que são formadores de opinião ou apaziguar as tensões de grupos com pensamentos divergentes.
Como fica a rotina de trabalho de um pastor que precisa lidar com todas essas expectativas e demandas? Neighbour menciona que certa vez ouviu de um psiquiatra, que trata de pastores com esgotamento, que em uma semana típica de trabalho a carga horária é de 70 horas. Isso configura um cenário que gera conflitos em casa e com a família, pois muitas vezes as esposas ficam sobrecarregadas. E em alguns casos, os salários dos pastores são tão baixos que comprometem as férias anuais ou outras opções de lazer e descanso que o pastor e a família necessitam ter.
Ouvindo os pastores
Conversamos com alguns pastores e perguntamos se, nos últimos 12 meses, eles haviam pensado em desistir do ministério pastoral. Sinvaldo Queiroz, pastor na Igreja Batista da Cidade, em Vitória da Conquista, Bahia, e Juliano Jesus Veloso, pastor na Primeira Igreja Presbiteriana de Indaiatuba, em Indaiatuba, São Paulo, disseram que não pensaram em desistir no pastorado nos últimos 12 meses. Mas Queiroz complementou dizendo que a pandemia o levou a repensar, ressignificar e reiventar sua prática pastoral.
No mesmo sentido das palavras de Queiroz, foi a resposta de Rene Breuel, pastor da Igreja Opera, em Roma, Itália. Ele disse: “Graças a Deus, não pensei em desistir de ser pastor no último ano, mas passei por um período de autoexame e reflexão que me ajudou muito. Tomei a iniciativa de me abrir com um pastor e conselheiro mais idoso, e ele me ajudou a entender melhor algumas feridas da minha infância e do meu passado. Em seguida, liderei a minha igreja em uma reflexão parecida sobre a Cura da Alma, que ajudou muitas pessoas”.
Já André Monteiro, pastor na Igreja Presbiteriana Mananciais, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, respondeu que “não e sim”, e explicou dizendo que não pensou em desistir do pastorado em si, mas sim de pastorear algumas pessoas. “Indiretamente, isso tem a ver com desistir do pastorado. Não do pastorado institucional, mas do pastorado orgânico. É algo bem sutil, mas real. Tenho pra mim que a pandemia levou pessoas a colocarem pra fora um lado obscuro do coração. Vimos isso em nossas igrejas. E todas as vezes que pensamos em desistir de alguém é porque tínhamos expectativas em relação à essa pessoa e ela não conseguiu estar à altura das expectativas que criamos. Precisamos aplicar os princípios do evangelho sobre o nosso coração para que essas frustrações ministeriais sejam trabalhadas. Olhar o exemplo de Jesus e a maneira como ele tratou seus discípulos pode ser um bom ponto de partida”, argumentou Monteiro.
Há outros pastores que tiverem experiências distintas durante a pandemia. Eguinaldo Hélio, por exemplo, pastor auxiliar na Igreja Vale da Bênção, Araçariguama, São Paulo, disse que não pensou em desistir e que se sentiu mais encorajado. Ele explica: “Sou pastor auxiliar e por isso sinto menos a carga que o pastor titular. Fiquei imaginando meios de fortalecer ainda mais o relacionamento com irmãos para que esses não se sentissem desamparados. E esta foi também a atitude do pastor principal. A todo o tempo percebíamos ideias criativas para manter o povo unido e aquecido espiritualmente. Famílias que sofreram com o COVID receberam todo cuidado, atenção e amor necessários. Inclusive a minha”.
O pastor Eguinaldo também ressaltou que percebeu uma disposição em lutar e não recuar em várias igrejas onde ele desenvolve trabalho itinerante. “Pastores, lideranças e igrejas têm se mostrado animados, criativos e combatentes. Claro que muitos devem ter se sentido sozinhos. Ainda assim, em muitos casos, a crise gerou em muitos a disposição para a luta”, concluiu Eguinaldo.
O que fazer diante do desânimo e da vontade de desistir?
Na percepção de Raph Neighbour Jr, um caminho que pode ajudar pastores e minimizarem os fatores que levam ao abandono do ministerial pastoral seria uma transição no modelo tradicional de igreja para um formato de comunidade de base (ou grupos em células). Segundo Neighbour, esse formato proporciona uma mudança radical no estilo de vida do pastor, pois dessa forma o pastor “não tem mais que ser tudo para todos os membros. Ele consegue reorganizar sua vida de forma significativa uma vez que aprende a servir como um treinador de outros que farão o verdadeiro trabalho ministerial”.
Voltando ao artigo de Karl Vaters, ele explica que é preciso abandonar as expectativas não bíblicas que foram colocadas nos ombros dos pastores ou que os próprios pastores colocam em seus ombros. “Pastores nunca foram destinados a carregar esse fardo tão grande. Nenhuma pessoa é capaz de ser pregador, professor, “lançador de visão”, CEO, líder, evangelista, ganhador de almas, angariador de recursos, conselheiro matrimonial, e todo esse modelo de virtude que esperamos que os pastores sejam – muitos deles enquanto trabalham a tempo inteiro fora das paredes da igreja. Mas tem sido assim por tantos anos que às vezes parece uma locomotiva sem freio que não pode ser parada. Precisa ser parada”, afirma Vaters.
Um recado aos pastores
O autor e pastor Karl Vaters escreve umas palavras muito apropriadas sobre o tema que abordamos neste artigo e reproduzimos abaixo na íntegra como um recado aos corações de todos os pastores e líderes que estão lendo este texto e, por muitas vezes, se sentem esgotados e tentados a abandonar o ministério pastoral.
“Precisamos dizer ‘não’. Para alguns de nós, isso significa dizer não às expectativas irracionais dos nossos membros, diáconos e oficiais da denominação. Mas para todos nós significa dizer não às nossas próprias expectativas não bíblicas. Dizer não a um paradigma que nós construímos e perpetuamos em volta de uma combinação dos nossos egos e inseguranças. Nós não somos os construtores da igreja, Jesus é. Não somos capazes de nos matarmos de trabalhar emocionalmente e espiritualmente sem que alguma coisa quebre dentro de nós. Não podemos continuar nos forçando fisicamente com poucas horas de sono, muita comida e pouca atividade física. Não podemos continuar negligenciando nossas esposas e famílias enquanto queimamos a vela dos dois lados e não esperar que todo mundo – nossas famílias, igrejas e nós mesmos – pague um enorme preço por isso. Precisamos redefinir com que o sucesso ministerial se parece, porque muitas pessoas boas estão sendo machucadas enquanto perseguimos nossa atual e insuportável versão de sucesso. Faça uma pausa hoje. Respire. E ore. Ore pelos pastores feridos, conhecidos e desconhecidos, que deixaram uma igreja que eles amavam – e talvez ainda amem. Ore pelos pastores famosos sofrendo debaixo da insuportável luz da ribalta. Ore pelos pastores desconhecidos que se sentem perdidos e esquecidos. Ore pelas famílias que suportaram anos de dor em silêncio, e que agora têm suportado ainda mais. Ore pelos membros da igreja que não sabem se se sentem bravos, tristes ou outra coisa. Ore para que o Deus que prometeu que Seu jugo era suave e o seu fardo leve, alivie os fardos mais pesados que nós colocamos sobre nossos próprios ombros. E que troque por Sua paz, Seu conforto e Sua esperança.”
Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.