Não é novidade que a pandemia mudou o mundo, acelerou processos que levariam anos e nos colocou num cenário imprevisível e perturbador. Não que estivéssemos em um paraíso, mas é que do dia para a noite um ser microscópico expôs dolorosamente nossas fragilidades e limitações, virando nosso mundo de ponta cabeça.
A despeito de nossos desejos e previsões otimistas, o cenário continua instável. Os acontecimentos políticos e econômicos, os fenômenos sociais, as consequências da crise climática e uma série de outros aspectos parecem embaçar nossa visão, dificultando compreendermos nossos dias e mais ainda tentar enxergar o que pode vir pela frente.
Em 1 Crônicas 12.32, a Bíblia descreve as tribos que manifestaram apoio ao reinado de Davi recém-ungido e destaca chefes da tribo de Issacar como homens “conhecedores dos tempos, para saberem o que Israel devia fazer”. Em Lucas 12.56, Jesus está ensinando à multidão e lhes faz uma exortação dizendo que as pessoas sabiam compreender fenômenos da terra e do céu, mas não sabiam interpretar o tempo presente.
Partindo da ideia que esses dois versículos evocam e diante de um mundo tão caótico, podemos nos fazer as seguintes perguntas: como nós, cristãos, podemos ler e discernir nosso tempo? Como podemos interpretar os acontecimentos do nosso país e do mundo? Como usar as Escrituras para dialogar com os temas que estão em debate nas diversas áreas do conhecimento na sociedade contemporânea?
O teólogo Ziel Machado, comenta que vivemos um momento difícil, que exige capacidade de leitura e de entendimento, mas parece que o tempo que temos não é suficiente para entendermos nossa época, justamente por causa da velocidade das coisas, do rápido fluxo de informações e de novas situações. “Temos que reconhecer que é um tempo de difícil leitura e que nem sempre vamos conseguir ler e interpretar da melhor maneira possível as questões do nosso tempo”, pondera Machado.
Pare. Olhe. Escute.
Ao se aproximar de alguma linha férrea, em atividade ou não, muito provavelmente você encontrará uma placa na qual estará escrito: pare, olhe e escute. São três ações que não se encaixam no dia-a-dia corrido da maioria das pessoas, mesmo que seja um exercício necessário e uma reflexão urgente para a nossa geração.
A Sepal convida você a mergulhar na série “Como discernir nosso tempo”. Trata-se de uma jornada com a proposta de conjugarmos os verbos parar, olhar e escutar os sinais dos nossos dias. Mensalmente, o site Sepal publicará artigos, reflexões e entrevistas com a participação de pastores, teólogos, missiológos e especialistas de diversas áreas, a fim de oferecermos caminhos que podem ajudar pastores, líderes e cristãos em geral a discernir nosso tempo.
No livro “A Igreja, o país e o mundo”, Robinson Cavalcanti argumenta que nem todos estão atentos a essa tarefa. Ele escreve: “Nem todos os cristãos estão conscientes do estado do mundo e das profundas mudanças por que passa a civilização. Alguns estão conscientes, porém perplexos, desorientados, apáticos, desesperançados […]. É preciso serenidade e fé na Providência, no Deus que é o Senhor da história. Conhecer os tempos para uma inserção segundo a sua vontade para as nossas vidas, dentro do projeto histórico do reino.”
Vale destacar que a proposta da série não significa moldar a Escrituras Sagradas e a ética cristã ao espírito da sociedade contemporânea. Pelo contrário, significa, como diz John Stott, fazer uma escuta com duplo compromisso: ouvir a Bíblia e ouvir o mundo. Explicando sobre os desafios contemporâneos, Stott escreve: “Alguns cristãos, ansiosos, sobretudo por serem fiéis à revelação de Deus, ignoram os desafios do mundo moderno. Outros, ansiosos por reagir ao mundo ao seu redor, torcem a revelação de Deus em sua busca por relevância. Tenho lutado para evitar ambas as armadilhas”.
Na jornada desafiadora de discernir nosso tempo, precisamos manter a integridade cristã submetendo tudo à revelação de ontem, dentro das realidades de hoje, pois, como afirma Stott, “os cristãos são chamados a viver sob a Palavra, no mundo”.
Para cumprir a missão, a igreja não pode deixar de se conectar com a sua geração, de ouvir os gritos do seu tempo e de se esforçar para discernir os sinais de sua época. Trata-se da missão profética da igreja, como escreve N. T. Wright, comentando Lucas 12.56:
“Desde o início, a igreja interpretou este capítulo como uma advertência de que cada geração deve interpretar os sinais dos tempos, os grandes movimentos de pessoas, governos, nações e políticas, e devem reagir de acordo com eles. Se o reino de Deus virá à terra como ele é no céu, parte da função profética da igreja consiste em entender os eventos da terra e procurar tratá-los com a mensagem do céu”.
Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.