Devemos compreender que culturas e povos são moldados por impulsos humanos fundamentais poderosos e por imensas forças espirituais, chamados pelo apóstolo Paulo como principados e potestades (EF 6:12). Ou seja, o marketing e a publicidade — e aqui estou pensando nas redes sociais — podem orquestrar campanhas orientadas e cuidadosamente concebidas que apelem para os desejos carnais e egoístas da psique humana e se encarnem de forma pecaminosa nas instituições — política, sociedade e mídia.

Quero destacar três consequências dessa mentalidade egocêntrica para o cristianismo contemporâneo:

  1. A desumanização das relações. A mentalidade consumista perpassa não apenas a venda e compra de bens consumíveis, mas também afeta como as relações acontecem nas instituições e organizações. Escolhemos e curtimos pessoas, organizações e igrejas como escolhemos a pizzaria ou a lanchonete pelo iFood ou pelo Uber Eats: atendimento, preço, qualidade do serviço e qualidade dos produtos. Pessoas tratam seus amigos, colegas de trabalho, membros da família e até mesmo parceiros como apps e gadgets consumíveis como “coisas” para serem descartadas, trocadas, substituídas por outras pessoas e coisas e igrejas mais eficientes, mais atraentes, mais positivas. Na cultura moderna do consumo, produzimos pessoas insensíveis e descartáveis.
  2. A apatia espiritual. As pessoas “boas” se tornaram distraídas e indiferentes. Afinal, por que devemos nos importar com a injustiça social quando temos coisas muito mais importantes para se preocupar, como em quem votar na última rodada do programa de TV, do cantor pop, do time de futebol ou Big Brother? E por que precisamos nos incomodar com a pobreza global e a doença, quando há demandas muito mais críticas sobre o nosso tempo, como a necessidade de descobrir como a celebridade tal acabou indo para a cama com o fulano? Ao invés de uma cultura de compaixão e solidariedade, vivemos numa cultura de celebridades que lidera uma guerra não declarada contra a verdade. Em um mundo injusto, a justiça é um trabalho árduo e a verdade requer vigilância perpétua. Muitos cristãos são tão afetados pela fadiga espiritual, distração, apatia e fascinação pelas coisas da cultura atual que parecem ter perdido a capacidade de fazer perguntas com implicações eternas.
  3. A falta de identidade. Os cristãos são exatamente iguais aos não cristãos. Por que devemos nos preocupar com o meio ambiente, com o desaparecimento das abelhas, com a extinção dos animais e a queima da floresta amazônica, quando deveríamos atender as questões muito mais urgentes, como verificar o perfil do Instagram ou Facebook pela trigésima vez num único dia? Tem sido demonstrado que os cristãos gastam, em média, o mesmo tempo em redes sociais, enviando e lendo mensagens, bem como gastam o mesmo tempo assistindo televisão e jogando videogames, como aqueles que não se identificam como cristãos. Refletindo sobre este problema A. Wilson Tozer observa, com relação ao típico evangélico nascido de novo, que sua vida está inalterada. Ele ainda vive para o seu próprio prazer, só que agora ele se deleita em cantar cânticos e assistir filmes religiosos em vez de cantar canções explícitas e beber pesado (se bem que hoje em dias muitos fazem até isso). O sotaque ainda está no entretenimento, embora a diversão esteja agora em um plano mais alto moralmente falando, se não intelectualmente (TOZER. in Tomasella. I die daily. p. 172).

Ou seja, aqueles que se consideram evangélicos/católicos/espíritas-cristãos são iguais ou piores que os não religiosos/ateus/semiateus. Muitos deles frequentam on-line/presencialmente os serviços religiosos aos domingos (e talvez também as células/cursos no meio da semana) e, em seguida, passam o resto da semana vivendo exatamente igual aos vizinhos que julgam ser menos “espirituais” ou “morais”, e de acordo com os mesmos padrões humanistas previsíveis que determinam uma cosmovisão niilista, pessimista ou negacionista da vida. Apesar de serem favoravelmente inclinados a um sistema de crença, há muito pouco que diferencia os cristãos dos não cristãos. Onde estão os discípulos adultos, aprendizes de Jesus Cristo? A peste mudará isso? Veremos!

Rubens Muzio


Sobre o autor:

Missionário Sepal, conferencista e autor de o DNA da Liderança Cristã, o DNA da Igreja, o DNA da Vida Cristã, Vida Cristã, uma Jornada de Fé e Uma Jornada pela Humildade.
Mestre em Teologia pelo Calvin Seminary, em Michigan e Doutor em Teologia Pastoral pelo Westminster Seminary com validação pela PUC-Rio.