“A quantidade do crescimento não garante a bênção de Deus ou a fidelidade da igreja”
Com frequência, vemos igrejas em todos os lugares esquecendo-se de que o Novo Testamento não focaliza os resultados das atividades ministeriais, voltando-se mais para si mesma, distanciando-se do mundo e priorizando o desenvolvimento de sua comunidade com vistas a tornar-se mega, influente e big.
O pressuposto básico resume-se: “Deus requer o crescimento da igreja”. O propósito principal e insubstituível da missão tornou-se o crescimento numérico da igreja. Vivemos um evangelho vertical. Classificamos temas ligados à transformação social – como justiça pública, paz social e o cuidado com os mais pobres e carentes da sociedade como secundários. O fruto disso tem sido uma prática de missão orientada aos resultados e estatísticas, enfatizando uma evangelização que não impõe muitas obrigações cristãs e que focaliza simplesmente os benefícios individuais da salvação, visando ajudar apenas as pessoas a terem um ticket de entrada nos céus e tornarem-se membros responsáveis da sua igreja local. O crescimento numérico se baseia muito mais na análise sociológica e antropológica bem como nas estratégias derivadas da administração e do marketing, produzindo um espaço para muita ansiedade sobre o fracasso e imenso orgulho e vaidade diante do sucesso.
O crescimento não é um fenômeno simples, como já disse. Encontrei algumas vezes David Garrison e conversei muito com ele sobre os movimentos de plantação de igrejas ocorridos na Índia, China e outras partes da Ásia, África, Américas e Europa. Em seu livro Church Planting Movements, após uma cuidadosa análise dos vários movimentos contemporâneos, ele chegou à conclusão que alguns elementos estariam sempre presentes:
- Um extraordinário nível de oração. Oração se tornou prioridade em todos os movimentos estudados, enfocando intencionalmente a intercessão pelos plantadores de igrejas, pelos não-cristãos, novos convertidos, e pelo envio de mais obreiros.
- Abundante evangelismo, refletido num imenso número de pessoas evangelizadas, grande quantidade de sementes lançadas e conseqüentemente um maior número de convertidos. Quanto mais semear, maior será a colheita.
- Plantação intencional de igrejas multiplicadoras: igrejas que progridem com um compromisso deliberado, intencional e intenso na plantação de igrejas reprodutivas.
- Autoridade da Palavra de Deus. A centralidade nas Escrituras impede que a igreja nascente, com o passar dos anos, se fragmente com heresias, suportando assim o contra-ataque do diabo.
- Formação natural da liderança local, rapidamente desenvolvendo novos líderes locais e regionais e confiando a eles o futuro do movimento.
- Forte liderança leiga. As igrejas destes movimentos são conduzidas eficazmente pelo princípio do sacerdócio universal: pastores e líderes não-profissionais, ou seja, não sustentados pela igreja local.
- Metodologia de igrejas-casas. A maioria dos movimentos começa com pequenos grupos de comunhão ou células reunidos nas casas de amigos sem imediata preocupação com a compra ou construção de prédio. As responsabilidades da liderança permanecem pequenas e administráveis, o nível de prestação de contas e cuidado dos membros aumenta exponencialmente. É de fácil multiplicação.
- Igrejas plantando igrejas rapidamente. O movimento atinge a plenitude e vigor total quando começam a se multiplicar, gerando igrejas filhas e netas de modo veloz, com senso de urgência, diferente dos modelos tradicionais.
- Igrejas saudáveis, mais vibrantes espiritualmente, mais vivas, com uma Palavra mais eficaz, alegria mais intensa, amor mais profundo, mesmo em meio a perseguição.
Você percebe que o crescimento quantitativo liga-se indissociavelmente ao crescimento qualitativo. O crescimento é um processo integral, e manifesta-se em todos os níveis. Como um organismo vivo, a igreja cresce normal e consistentemente. O crescimento faz parte da sua vida. Deixar de crescer seria deixar de existir. Contudo, nem todo crescimento é saudável para o organismo. Há diferentes tipos de crescimento: demográfico, biológico, emocional, psicológico, cultural, econômico, social, institucional, e assim por diante. E dentro de cada um desses aspectos existem as qualidades de crescimento: positivo ou negativo, bom ou ruim, saudável ou patológico. Na verdade, o organismo pode enfrentar toda sorte de perigo que causa deformação no seu crescimento e que pode levá-lo fatalmente à morte. O risco da erva daninha, do joio no meio do trigo da deformação, do hediondo, do canceroso, está sempre rondando a igreja. Precisamos de um sistema de crescimento integral e Orlando Costas me parece ser o melhor modelo de avaliação quanto ao crescimento de uma igreja local, dentro do contexto latino americano. Segundo Costas, o crescimento detém quatro dimensões: numérico, orgânico, conceitual e diaconal:
- O numérico, o mais básico, refere-se à reprodução e incorporação de novos membros à comunidade.
- O orgânico é interno à igreja e tem a ver com o desenvolvimento de sua liderança, forma de governo, administração, recursos e talentos.
- O conceitual refere-se ao desenvolvimento da compreensão da fé cristã, existência e razão de ser, conhecimento das Escrituras, vocação na sociedade, compreensão da história e interação com o contexto ao redor.
- O diaconal tem a ver com a intensidade do serviço prestado ao mundo, participação na vida, conflitos e temores da cidade, desenvolvimento na qualidade do serviço que ajuda a aliviar as dores humanas e ajuda a transformar as condições sociais ao redor. (Costas: 8-14).
Para o bom desenvolvimento da igreja, todas as dimensões devem caminhar simultaneamente, desenvolvendo-se ao mesmo tempo: recebendo novos membros, expandindo-se internamente, aprofundando seus conhecimentos da fé e servindo ao mundo. Porém a igreja cresce qualitativamente quando em cada uma dessas dimensões ela reflete espiritualidade cristã, encarnação do evangelho e fidelidade a Deus. Sem eles, o crescimento numérico, por si só, converte-se em obesidade, o orgânico em burocracia, o conceitual em abstração teórica e o diaconal em ativismo social. Portanto, você deve cuidar para que sua igreja – ministérios, projetos e eventos – cresça simultaneamente nas quatro dimensões.
Tragicamente o crescimento numérico tornou-se o aspecto mais importante da evangelização. A cultura contemporânea enfatiza o imenso, o big, o agitado, o badalado. Frequentemente, a igreja caminha pela senda perigosa das grandes conferências, impressionada com marchas, enamorada dos grandes templos e fascinada pelos programas de televisão e cargos políticos. Por trás da sedução trazida pelos resultados, prosperidade e sucesso, encontra-se a realidade íntima dos problemas emocionais, tentações sexuais, conflitos familiares e crises existências. Suas divisões e escândalos são também do tamanho dos seus templos: colossais, hercúleas, excedendo física e emocionalmente os limites suportáveis pela maioria dos seus líderes, que em geral estão despreparados espiritualmente para enfrentá-los.
A quantidade do crescimento não garante a bênção de Deus ou a fidelidade da igreja. Vários fatores históricos, sociológicos, antropológicos, religiosos e culturais estão na equação do crescimento. Ele torna-se facilmente distorcido quando o foco é colocado nos números, estatísticas e resultados. Não deveríamos usar o crescimento numérico como termômetro para a medição da presença ou não de Deus. Quando olhamos para o Reino de Deus e sua centralidade na vida, morte e ressurreição de Jesus, devemos abandonar essa ênfase nos projetos e sucessos pessoais. O horizonte que visualizamos é a vindo do Reino de Deus e a consumação da história em Cristo. Tudo o que importa é a glória de Deus. O crescimento saudável sempre será o penúltimo objetivo, completamente secundário à glória de Deus.