A celebração comunitária presencial foi um dos aspectos mais difíceis para as igrejas abrirem mão durante a pandemia. A comunhão, o ensino e a adoração de forma comunitária são parte da essência da Igreja. Esse tema, geralmente, nos remete a versículos como o Salmo 133.1, que diz: “Como é bom e agradável quando os irmãos convivem em união”, ou o Salmo 84.10: “Melhor é um dia nos teus átrios do que mil noutro lugar”, e ainda o Salmo 122.1 “Alegrei-me com os que me disseram: ‘Vamos à casa do Senhor!’”.
Fechar as portas e migrar todas as atividades para o formato online foi desafiador, mas necessário devido ao contexto sanitário mundial, que exigiu uma postura de responsabilidade coletiva e, para a Igreja, de amor ao próximo. Agora que os números de infecção e óbitos da pandemia têm apresentado queda e o programa de vacinação avança no país, centenas de igrejas já estão no processo de retorno às celebrações presenciais.
É bastante visível a preocupação das igrejas que esse processo de retorno aconteça de forma planejada, organizada e segura. Em sites de diversas igrejas e denominações há orientações e protocolos que os membros precisam seguir para participarem das atividades presenciais. Neste quesito, não há muito o que acrescentar.
Por outro lado, pastores e líderes podem se encontrar pensativos ao perceberem que, mesmo com as portas abertas e com o convite do salmista “vamos à casa do Senhor”, alguns membros ainda não voltaram a participar dos cultos presenciais. Muitos até já retomaram, quase que normalmente, as suas atividades de trabalho, estudos e lazer, mas não retornaram às celebrações comunitárias. Seria desânimo, esfriamento espiritual, comodismo ou opção por continuar assistindo as atividades online? Como a liderança deve encarar a situação?
Comodismo online
Jeremias Pereira, pastor da Oitava Igreja Presbiteriana, em Belo Horizonte (MG), diz que muitos se acomodaram a assistir e participar de atividades no formato online[i]. Além de envolver um pouco de medo e comodismo, há o fato que na web há um variado “cardápio” de cultos e pregações, o que acaba competindo com a programação presencial.
Pereira ressalta que muitas famílias decidiram não retornar aos cultos presenciais porque possuem idosos ou crianças pequenas em casa. Isso causa hesitação e insegurança em algumas famílias. De todo modo, o pastor destaca que essas pessoas precisam de uma atenção por parte da igreja. Em sua igreja, a liderança disponibilizou um número para que as pessoas que não voltaram aos cultos presenciais possam entrar em contato, caso queiram compartilhar pedidos de oração ou necessitem de algum outro tipo de assistência.
“Na congregação vivemos um ambiente de fé e encorajamento mútuo. Na força da comunidade somos encorajados, consolados e fortalecidos. Somos pessoas de hábitos, e aqueles que têm o bom hábito de congregar e frequentar os cultos e reuniões da igreja precisam manter este bom hábito ou readquiri-lo. Os que ainda não voltaram estão em nossas orações e em nosso coração. Estamos prontos, a servir, abençoar e treinar os nossos membros”, comenta Jeremias.
Não negligenciar os que voltaram
É muito importante que a liderança mantenha o pensamento apropriado, não se desgastando demais com os que não voltaram a ponto de negligenciar os que retornaram. Essa é a primeira lição sobre o processo de retorno às atividades presenciais[ii] que Larry Osborne – pastor, autor, mentor e consultor de liderança – tem experimentada com sua comunidade na Igreja North Coast em Vista, na Califórnia, EUA.
Na visão do pastor Larry, a situação pode ser ilustrada com um copo com água pela metade. Você pode olhar e se entristecer ao focar na parte que está vazia ou se alegrar com a parte que está com água. Para Osborne, pastores e líderes precisam reformular as perguntas olhando para o momento atual, não para o passado e nem para o futuro. “Fixe no agora e nas pessoas que estão lá, porque são as pessoas que estão fortemente seguindo Jesus Cristo e essas são as pessoas que estão profundamente comprometidas. Não as negligencie, ou perca seu entusiasmo e paixão por eles simplesmente porque alguns irmãos que já estavam distantes não estão mais aqui”, argumenta o pastor Larry.
Repensar a missão da Igreja
Numa certa igreja, após vários domingos percebendo boa parte do auditório vazio, o pastor decide desafiar os membros a olharem para trás, observarem as cadeiras vazias e pensarem nas pessoas que poderiam estar ali para ouvir sobre o evangelho. Para o pastor, esta foi uma maneira de incentivar os membros a trazerem mais pessoas não-crentes à igreja. Cadeiras vazias podem incomodar, mas a verdadeira questão a qual pastores e líderes devem responder é: qual a nossa missão?
Para Larry Osborne, a missão da Igreja não consiste em ocupar as cadeiras do auditório com o máximo de pessoas possível, mas sim em evangelizar e fazer discípulos. O pastor explica que a pandemia acelerou muita coisa e não há como voltar atrás, por isso é importante encontrar maneiras diferentes de evangelizar e fazer discípulos, sem depender de grandes reuniões ou eventos presenciais. “É o que é igreja tradicional percebeu e que todas as igrejas perseguidas da história perceberam, que não importa qual é a situação, há um jeito de transmitir a palavra de Deus, evangelizar aqueles que não o conhecem e discipular para o próximo passo da obediência, entre os que já cruzaram a linha”, afirma Larry.
João Paulo Rangel Peixoto, pastor na Centralidade Igreja Presbiteriana, em Franca, interior de São Paulo, concorda com o pensamento do pastor norte-americano e comenta: “Larry coloca no lugar certo a métrica para avaliarmos os nossos ministérios, porque todos nós usávamos o número de cadeiras nos nossos auditórios como primeira métrica. Mas a missão não é essa. A missão é seguir a Jesus, fazendo discípulos de maneira simples, evangelizar, cuidar de pessoas e não das cadeiras de auditórios”.
“Muitas vezes, nós transformamos discipulado num programa, e não como algo da igreja toda, nós acabamos de discipulando as pessoas para dentro, no sentido de que elas ocupam ministérios na igreja. E o Larry diz que o discipulado é algo orgânico que precisa levar as pessoas para fora. Também temos outra compreensão equivocada do que é ser uma igreja de sucesso. Nós relacionarmos ser igreja de sucesso com o número de pessoas que nós reunimos, com o tamanho dos eventos, com dinheiro que a gente arrecada e com a imponência dos prédios. Osborne nos lembra de forma fantástica de que nós deveríamos focar nesse aspecto de discipular as pessoas para que elas façam diferença no dia-a-dia e no mercado de trabalho, no lugar onde elas estão. Não devemos perder de vista este aspecto de fazer discípulos, que fazem discípulos, que fazem discípulos.” (Sigolf Greuel, pastor de tradição luterana)
Missão de segunda a sábado no mundo real
Outro ponto mencionado por Larry Osborne é o evangelho vivido no meio de trabalho. Para ele, não são grandes eventos e encontros que afetam o evangelismo e o discipulado, mas sim quando cristãos entram num lugar e se comportam (ou não) como seguidores de Jesus, quando amam (ou não) da forma que Jesus ensinou o amor ao próximo.
Neste sentido, Larry enfatiza que as pessoas precisam ser treinadas a servirem a Jesus não apenas nos finais de semana, mas sim de segunda a sábado em seus ambientes de trabalho, no mundo real. A reflexão de Rafael Pijama, pastor na Igreja Sal da Terra 90, em Goiânia (GO), vai no mesmo sentido das palavras de Osborne. Rafael comenta:
“A pandemia ajudou a gente entender que todos estamos em missão. Somos missionários no ambiente que estivermos. Em nossa igreja, estamos estudando uma série baseada em Atos e estamos percebendo que, quando a igreja ficou impossibilitada de reunir em Jerusalém, todo mundo começou a aplicar a sua fé no cotidiano. Estamos sendo obrigados a rever a nossa cultura de eventos. Igrejas que eram pautadas muito em eventos sofreram muito na padaria e igrejas que eram pautadas em relacionamento e profundidade sofreram menos.”
Humildade e dependência de Deus para aprender e manter o “novo normal”
Como já foi dito anteriormente, a pandemia alterou o mundo, a sociedade e a igreja. Não é possível voltarmos a fazer as coisas da mesma forma que eram feitas antes do surgimento do novo coronavírus e todas as estratégias e métodos criativos que a igreja desenvolveu durante a pandemia precisa ser avaliado, melhorado e mantido.
Isso implica dizer que as lideranças das igrejas não podem dispensar toda a sua atenção para os encontros presenciais, na tentativa de ter um culto como era antes da pandemia. O desafio é atuar nas duas linhas de trabalho, cultivando as estratégias online para alcançar pessoas que não estão no auditório e, por outro lado, promover encontros presenciais, seguros em termos sanitários, que fortaleçam a comunhão, o ensino, o serviço e a adoração comunitária.
É importante lembrar, como destaca o pastor Larry, que os meios digitais não são apenas um meio de divulgação para que as pessoas consigam assistir o que é feito na igreja e, assim, possam querer visitá-la. Na verdade, as atividades online precisam acontecer motivadas pela convicção de que mesmo que a pessoa nunca apareça no prédio da igreja, elas são estratégias para aproximar pessoas a Jesus Cristo e ajudá-las a andar com ele como discípulos.
Comentando os desafios desse processo de retorno aos cultos presenciais, o pastor Ricardo Agreste menciona que foi uma experiência dolorosa para muitos pastores e líderes terem que deixar a experiência cem por cento presencial e abraçar as tecnologias digitais numa experiência cem por cento virtual. “Toda mudança demanda dor, mas toda mudança traz consigo aprendizado. As igrejas que decidiram fazer dessa experiência uma experiência missionária cresceram muito”, enfatiza Agreste.
O desafio que se coloca agora diante dos pastores e líderes, na visão do pastor Ricardo Agreste, não é retornar a uma experiência cem por cento presencial como era antes da pandemia, mas sim desenvolver uma experiência híbrida, retomando os encontros presenciais, sem deixar de lado as ferramentas digitais que foram adotadas. É um processo que causa receio e insegurança para a liderança, mas é um terreno fértil para que os líderes estejam numa postura de maior dependência de Deus, como afirma Agreste: “Antes da pandemia, estávamos confiando demais nas nossas habilidades e estratégias, na nossa capacidade de produzir um grande evento, que se chamava culto de domingo. Agora, depois da pandemia, está todo mundo mais humilde, muito mais debaixo da dependência de Deus para aprender nesse novo momento híbrido.”
Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.
Referências:
[i] Voltemos aos cultos presenciais
[ii] O que esperar com o Retorno dos Cultos Presenciais?