O crescimento da fome e do desemprego são dois problemas que se intensificaram com a crise causada pela pandemia. Diante de números cada vez mais pessimistas, o que os cristãos podem fazer além de orar e compartilhar a esperança que há em Cristo Jesus? É válido lembrar as palavras do grande missiólogo Leslie Newbigin, que diz: “Nosso papel não é sermos otimistas ou pessimistas diante do cenário em que estaremos inseridos. Nosso papel é compreendermos como se dará a nossa missão neste novo cenário”.

Na realidade, a ação da Igreja na pós-pandemia tem sido tema de muitas discussões e reflexões entre pastores, teólogos e missiólogos. Isso demonstra que a liderança está preocupada em cumprir sua missão. Ao longo deste artigo, abordaremos as contribuições de alguns autores que podem ser relevantes para o nosso momento.

O missiólogo sueco, Mats Tunehag[i], destaca que ao longo da história a Igreja teve um forte e bonito testemunho de serviço às pessoas em meio a grandes pragas e catástrofes. Tunehag cita um trecho da obra “Vivendo em tempos de Peste”, de Phillip Yancy, que diz:

“Uma das razões pelas quais a igreja superou a hostilidade e cresceu tão rapidamente dentro do império romano, remonta à forma como os cristãos responderam às pandemias da época, que provavelmente incluíram a peste bubônica e varíola.  Quando as infecções se espalharam, os romanos fugiram de suas cidades e vilarejos; E os cristãos ficaram para trás para amamentar e alimentar não apenas seus parentes, mas seus vizinhos pagãos.”

A ação social da igreja na história

Em artigo publicado na revista Ultimato[ii], o historiador Alderi Souza de Matos escreve que na maior parte da história da igreja os cristãos compreenderam que o socorro aos necessitados era parte importante da sua vocação no mundo. Matos destaca a própria atuação de Jesus Cristo em seu ministério terreno: “Ao anunciar o evangelho do reino, Jesus apontou como uma de suas características a sensibilidade diante da dor alheia e a prontidão em assistir os desafortunados. Ele mostrou isso de modo magistral por meio de alguns de seus ensinos mais apreciados, como a parábola do Bom Samaritano (Lc 10.30-37) e a inquietante história do Grande Julgamento (Mt 25.31-46).”

A Grande Compaixão e a Grande Comissão

Rubens Múzio, teólogo e missionário da Sepal, enfatiza a ação da Igreja no mesmo sentido colocado por Alderi. Para Múzio, é central em nosso contexto a missão diaconal da igreja, ou seja, ações de assistência social transformadora e a defesa dos direitos humanos. Múzio argumenta[iii], que, em seu ministério, Jesus se preocupa com a pessoa como um todo, olhando para as necessidades físicas, pessoais, materiais, individuais e subjetivas. Nesta perspectiva, para cumprir sua missão a Igreja precisa olhar a cidade como um campo de atuação e viver o evangelho de serviço. Para isso, é necessário um olhar mais amplo, sócio demográfico e cultural, no sentido de reconhecer algumas tendências no campo brasileiro.

Ainda refletindo sobre o ministério de Jesus, Rubens Múzio recorre a Mateus 9, onde narra Jesus, vendo as multidões, se compadeceu dela. Múzio fala: “Jesus observa as emoções das pessoas, lê os seus pensamentos, compreende as suas intenções, enxerga para dentro da alma do povo, e ele sente muito mais do que uma mera piedade ou dó, ele tem compaixão – é um sentimento de profundo amor. Portanto, é esta compaixão, que leva ao serviço, que deve aflorar na comunidade cristã, em meio à sociedade pós-pandemia.”

O teólogo Rubens Múzio continua sua reflexão e menciona que, em Mateus 25.31-46, Jesus fala de discípulo como um mordomo que presta contas a Deus não por seguir uma liturgia, por fazer sacrifício ou conhecer a teologia, mas sim por fazer ou deixar de fazer algo pelos que estão em necessidade. Esses discípulos mordomos são pessoas que estão cuidando dos carentes, do estrangeiro, alimentando o faminto, visitando os prisioneiros. Portanto, precisamos conectar Mateus 28, da Grande Comissão, a Mateus 25, da Grande Compaixão.

Diante do que foi colocado, é possível compreender e reforçar a importância da integralidade da missão para o mundo em pós-pandemia, ou seja, uma missão que abrange todas as áreas da vida humana. Para os nossos dias, de forma especial, a área social. Entendendo que a reconciliação garantida pela obra de Jesus na cruz é plena, abundante, para o homem todo e para todos os homens. Como coloca o pastor Jonathan Ferreira dos Santos, em outras palavras[iv]: “Boas obras precisam ser feitas sem segundas intenções. É o bem que se faz ao crente e ao não crente, pelo simples fato de que assim se comunica o amor de Deus às pessoas. Mas o resultado natural é que as boas obras abrem portas para a evangelização: aquele que recebe o bem abre o coração para ouvir as verdades do evangelho.”


Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.

[i] A pandemia do coronavírus e o BAM
[ii] “Fazei o bem a todos”: os cristãos e a responsabilidade social 
[iii] Igreja – Comunidade do serviço / ação social | Igreja pós-peste
[iv] O que a Bíblia ensina sobre assistência social