Num tempo em que a internet possibilita conhecer uma variedade de outras igrejas e ministérios, é quase inevitável a comparação ou se fazer a pergunta: “E se minha igreja fosse diferente?”.
Afinal, há algo de errado em sonhar, orar e trabalhar por uma “igreja ideal”? Para alguns, uma visão ou uma igreja dos sonhos pode ser a força motriz de uma jornada que pode vir a se tornar realidade e virar um “case de sucesso”. Para outros, pode ser uma mera fotografia que ficou no passado e hoje é a causa de muita frustração, quando comparada com a comunidade de fé real.
A intenção neste texto não é dizer se é certo o errado idealizar um tipo de igreja. O que queremos é acrescentar uma perspectiva diferente nesta reflexão.
A igreja self-service
Nossa sociedade está acostumada com o modelo self-service. Você vai a um restaurante e escolhe colocar no seu prato o que for de sua preferência. Abre a Netflix e escolhe assistir o filme que mais combine com o seu humor naquele dia. Abre suas redes sociais e deixa de seguir quem publica algo que não está dentro do que você concorda. Em grande medida, isso é reflexo do consumismo. Escolhemos exatamente o que queremos, pagamos apenas o que queremos e seguimos em frente.
Essa mentalidade se infiltrou na maneira como abordamos a igreja e começamos a achar que podemos projetar a comunidade de fé de acordo com nossa lista única de preferências. Muitas vezes, antes de integrar uma igreja, avalia-se o estilo das músicas cantadas durante o momento de louvor, nota-se o tempo da pregação, se é curta ou longa demais. Para muita gente, esses e outros critérios acabam interferindo na escolha de participar ou não em determinada igreja, afinal existem centenas de outras opções na cidade, presencial ou online.
E se, em vez de procurar uma igreja que nos deixe mais confortáveis, aprendêssemos a amar nossa igreja do jeito que ela é? Essa é a provocação feita por Brett McCracken no livro Uncomfortable: The Awkward and Essential Challenge of Christian Community. Na obra, o autor critica a influência consumista na forma que lidamos com a igreja e argumenta: “estamos sempre em busca de mais e melhor, esperando novos patamares de satisfação. A igreja dos sonhos é sempre um potencial lá fora; a grama é sempre mais verde na nova igreja da cidade.”
Brett McCracken acredita que é preciso desmascarar e destruir essa abordagem consumista tóxica, pois é danosa para nossa saúde física e espiritual da igreja. McCracken convida os cristãos a abraçarem os aspectos desconfortáveis da sua igreja local, “quer isso signifique acreditar em verdades difíceis, buscar uma santidade difícil ou amar pessoas difíceis – tudo por causa do evangelho, da glória de Deus e da nossa alegria.”
Ideias desconfortáveis sobre a igreja dos seus sonhos
Em “Vida em Comunhão”, um clássico de Dietrich Bonhoeffer, lemos quatro palavras que podem parecer duras e desconfortáveis: “Deus odeia sonhos visionários”. Bonhoeffer continua:
“O homem que modela um ideal visionário de comunidade exige que ele seja realizado por Deus, pelos outros e por si mesmo. Ele entra na comunidade dos cristãos com as suas exigências, estabelece a sua própria lei e julga os irmãos e o próprio Deus em conformidade. Ele permanece firme, uma viva reprovação a todos os outros no círculo de irmãos. Ele age como se fosse o criador da comunidade cristã, como se seu sonho unisse os homens. Quando as coisas não acontecem, ele chama o esforço de fracasso. Quando sua imagem ideal é destruída, ele vê a comunidade indo ao fracasso. Assim, ele se torna, primeiro, um acusador de seus irmãos, depois um acusador de Deus e, finalmente, o acusador desesperado de si mesmo.”
Ao comentar as palavras de Bonhoeffer, o pastor Chase Replogle, da Bent Oak Church em Missouri (EUA), diz que elas derrubaram o andaime no qual ele tinha erguido sua visão ideal de igreja e seu papel como pastor. “Eu tinha trocado uma congregação real por uma de sonho, cego para a obra que Deus estava fazendo bem na minha frente”, confessa o pastor Replogle.
O pastor norte-americano comenta que Bonhoeffer viu como a imaginação pastoral, capturada pelos sonhos de potenciais igrejas, tira os pastores da sua humilde vocação e os coloca em direção ao orgulho e à pretensão. Ele destaca as palavras do teólogo alemão:
“Qualquer um que amar mais o sonho da comunidade que a comunidade cristã em si (com todos os seus defeitos) torna-se destruidor desta, ainda que a devoção àquela seja impecável e suas intenções sejam extremamente honestas, sérias e sacrificiais. […] O cristão sério, estabelecido pela primeira vez em uma comunidade cristã, provavelmente trará consigo uma ideia muito definida do que deve ser a vida cristã juntos e tentará realizá-la. Mas a graça de Deus rapidamente destrói esses sonhos.”
Você precisa de uma visão ou sonho para a sua igreja?
Na percepção do pastor Chase Replogle, o primeiro chamado de um pastor não é para imaginar ou sonhar uma igreja, mas para receber uma. Ele acredita que o pastor não é um empreendedor, mas sim alguém chamado a participar de um projeto já em andamento. Nesta perspectiva, “a verdadeira liderança visionária é ser o primeiro a reconhecer o que Deus já formou”.
Chase Replogle continua sua argumentação dizendo que Deus está construindo sua igreja e a postura do pastor deve ser de gratidão e alegria por estar nela, ao invés de querer tomar sobre si o peso de formar e construir uma igreja. Para Replogle, “o ministério pastoral é um dom, não uma conquista. Quando desviamos nossos olhos da obra particular de Deus para futuras abstrações, não somos mais pastores.”
Qual o seu sonho para a sua igreja? Qual o tamanho da sua igreja? Quantos membros sua igreja possui? São perguntas feitas a todo momento e que você, pastor ou líder, provavelmente, precisa responder com muita frequência. Na experiência do pastor Chase Replogle, ele diz que tem ouvido bastante o seguinte questionamento: Qual é a sua visão para a igreja? Ele diz que costumava tentar articular alguma resposta coerente, mas agora ele responde: “Eu realmente não tenho um [sonho]. Estou apenas tentando prestar atenção a Deus, prestar atenção ao meu povo e dar voz ao que vejo”.
Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.