Texto da Série “De pastor para pastor: Lições do pastorado na pandemia”
Ministrar frente a uma câmera, sem olhar nos olhos das pessoas e interagir com as expressões faciais dos ouvintes. Essa virou uma cena comum para pastores e líderes nesta pandemia. Muitos tiveram que se adaptar e encarar a câmera pela primeira vez. Outros, já mais acostumados com esse aparato tecnológico, não tiveram tantas dificuldades. Em ambos os casos, diversos pastores relatam que não é uma experiência entre as mais agradáveis.
A pregação por vídeo, via internet, é só uma das coisas que mudou na rotina pastoral. Reunião de oração, aconselhamento, planejamentos, formações, etc… Tudo passou a ser mediado pela tecnologia e o exercício do pastorado, agora, pode ser em formato home office, ou seja, o pastor faz tudo sem sair de casa. Não precisa dar plantão no gabinete, tem flexibilidade no seu horário, economiza com o transporte e fica mais tempo com a família. Que maravilha, não?
O pastor Luiz Fernando dos Santos, da Igreja Presbiteriana Central de Itapira, interior de São Paulo, comenta que “nunca o celular e o notebook foram tão decisivos e tão eficientes no cuidado pessoal e comunitário do povo de Deus. O smartphone e o computador servem de versões modernas do cajado pastoral.” Ele também diz que até que aprendamos a conviver com o vírus e que a cura chegue, “ainda usaremos esses recursos suplementares para assistir nossos irmãos do grupo de risco ou os mais vulneráveis.” Mas enfatiza:
“O cristianismo é uma experiência afetiva e o pastorado é feito de afeições santificadas que devem ser demonstradas sempre que possível. Por isso, vez ou outra, sem proximidade ou contato, sem adentrar às residências e devidamente resguardado, passo pelas casas e da calçada, contemplo a face das minhas ovelhinhas, deixo uma porção das Escrituras, uma oração e a bênção. E assim, no meio dessa pandemia, usando a criatividade e a tecnologia, contando com a compreensão e o reconhecimento de muitos irmãos, Cristo, por meio dos seus limitados cooperadores, exerce o cuidado pastoral e passa pelas vidas tocando-as com a sua graça.”
Pastorado em home office: perigo à vista?
Nossa reflexão não tem como objetivo romantizar e nem demonizar a tecnologia, mas apontar os desafios que permeiam o exercício pastoral no formato home office, afinal, há facilidades, sim, mas nem tudo são flores. O secretário geral de apoio pastoral da Igreja Presbiteriana do Brasil, Valdeci Santos, faz alguns alertas sobre os perigos que envolvem as atividades pastorais mediadas pela tecnologia.
Valdeci chama a atenção para o desperdício de horas nas atividades online que, além de não estarem relacionadas ao ministério, podem alimentar práticas pecaminosas. Ele descreve: “Naturalmente o pastor passou a consumir mais tempo com mídias sociais, postagens, navegações, interações por meio de plataformas online e, dessa maneira, as horas do seu dia são consumidas à frente da tela que o conecta com sua congregação e com o mundo. Mas é justamente essa última conexão (com o mundo) que muitas vezes pode levá-lo a gastar o seu tempo pecaminosamente.” De acordo com ele, isso acontece quando predileções inocentes e conteúdos de entretenimento consomem o tempo que deveria ser dedicado a algum aspecto do cuidado pastoral com o rebanho de Cristo.
O pastor acrescenta: “há outras tentações mais gráficas e viciantes na Internet, como pornografia e jogos de azar, e os pastores não estão imunes a elas […] É necessário compreender que aquilo que a realidade remota apresenta é um desafio e convite para reorientar o ministério pastoral […] Todos nós somos mordomos do tempo e das oportunidades concedidas por Deus para cuidar de suas ovelhas e o que se ‘requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel’ (1Co 4.2).”
Com a palavra, os pastores
Embora não tenha que dar “plantão no gabinete”, a pandemia empurrou pastores e líderes para as telas dos notebooks e smatphones. E o uso de telas, quando não bem administrado, pode sugar tempo demais de qualquer pessoa e, caso dos pastores, muito mais tempo do que era dedicado a atendimento no gabinete. Sem disciplina, facilmente pastores e líderes podem incorrer nos perigos já citados por Valdeci Santos, comprometendo, inclusive, o tempo que poderia ser dedicado à família.
Mas, para falar com propriedade sobre esses desafios, convidamos três pastores. Eles comentam sobre a importância da disciplina, a sensação de que o trabalho multiplicou e como estão administrado o tempo em família. Confira:
“O desafio de me adaptar ao vasto mundo digital para assim poder cuidar dos irmãos e irmãs da comunidade da fé. Um outro desafio está relacionado ao fato de o ambiente do descanso e do desfrute familiar passar a ser também local de trabalho. Sofri com a impossibilidade do contato físico, especialmente para com aqueles que enfrentaram a perda de entes queridos para a COVID-19. Tive o sagrado privilégio de estar mais perto da minha esposa e dos meus filhos, especialmente de Maria Júlia que nasceu durante a pandemia.” Sinvaldo Queiroz, pastor na Igreja Batista da Cidade, em Feira de Santana, Bahia.
“Plantando uma nova igreja no campo missionário, a maior parte do meu pastorado até aqui tem sido através do home office. É gostoso estar em casa, não perder tempo no trânsito, almoçar com a minha esposa e fazer lanchinhos de vez em quando (ops!). Ao mesmo tempo, é difícil separar emocionalmente o que é trabalho e o que é tempo pessoal e em família. Fazer reuniões de equipe ou aconselhamento em casa ou em restaurantes é delicado também. Para fazer o home office funcionar bem, temos que ser disciplinados, planejar o uso do tempo, e encontrar espaços externos para algumas reuniões e encontros.” Rene Breuel, pastor na igreja Hopera, em Roma, Itália.
“O home office é mais uma das novidades que a pandemia trouxe para nós. O trabalho pastoral já é em parte desenvolvido dentro de casa, na preparação dos sermões e estudos bíblicos, na intercessão pela igreja, no acolhimento dos irmãos para refeições, conversas, aconselhamentos e pequenos grupos. Dessa forma a família já está bem envolvida com o trabalho pastoral. Mas agora, nos períodos de restrições mais fortes, praticamente tudo é feito de dentro de casa. Passamos mais tempo em família, acompanhamos mais intensamente a educação escolar das crianças, o ganho familiar é muito positivo. Todavia, a sensação é que as demandas, tanto da igreja, quanto familiar, aumentaram muito. Dormimos menos, passamos mais tempo na frente do computador, ou do celular. Esquisito. Ganhamos de um lado e perdemos do outro. É necessário mais disciplina e concentração para trabalhar. Mas o mundo que habitamos é assim, sempre cheio de tensões, e elas só serão completamente resolvidas no retorno de Jesus Cristo, com a restauração de toda a criação.” Pedro Paulo Valente, pastor na Igreja Presbiteriana de Viçosa, em Minas Gerais.
Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.