Irritação, tristeza, confusão existencial e pânico do ambiente eclesiástico. Esses foram alguns dos sintomas que fizerem o pastor José André Sena, em 2012, ligar o sinal de alerta de que havia algo não estava bem em sua saúde emocional e mental. A história dele, começa com um episódio de síndrome de burnout, seguido de um quadro de depressão e afastamento de suas funções pastorais por cinco anos.

O caso de José André, infelizmente, não é o primeiro, o único e nem o último. Há milhares de pastores, líderes e missionários, lutando e sofrendo sozinhos em virtude de alguma disfunção emocional ou mental. Uma pesquisa feita nos Estados Unidos mostrou que, devido ao estresse específico de sua vocação, os pastores têm uma tendência maior a sofrer de depressão e ansiedade do que o americano médio[i]. Outra pesquisa realizada pelo Instituto Schaeffer, apontou que 70% dos pastores norte-americanos lutam constantemente contra a depressão, 71% se dizem esgotados, 80% acreditam que o ministério pastoral afeta negativamente suas famílias e 70% dizem não ter um amigo próximo[ii].

No Brasil, ainda são escassos estudos e pesquisas com foco em pastores e líderes de igrejas, sobre temas como depressão, suicídio e burnout. Ainda que pouco conhecida e considerada como “síndrome da desistência de exaustão ou consumição”, o diagnóstico da síndrome de burnout tem sido muito comum em líderes de igrejas, devido a uma série de fatores[iii]. Em 2017, virou manchete de jornal[iv] o suicídio de três pastores de igrejas evangélicas.

Como o tema ainda não é tão conhecido, é importante esclarecer sobre o burnout. Trata-se de um “distúrbio psicótico de caráter depressivo, resultante do esgotamento mental e físico, intimamente conectado à atividade profissional de alguém”. O pastor Ray Ortlund comenta: “o que chamamos de burnout é a experiência de profunda exaustão em que nossas capacidades usuais de resiliência, de recuperação, de permanecer firmes, confiantes e perseverantes não são mais suficientes. Burnout significa que algo bem profundo em nós entrou em colapso e não conseguimos mais continuar. Nós pastores entendemos o burnout, e não apenas na vida dos outros, mas em nós mesmos”[v].

Thom S. Rainer A, escreveu ao site Lifeway Research[vi], sobre as causas da depressão entre pastores e líderes. De acordo com ele, vários fatores podem aumentar a chance de depressão, tais como: expectativas e demandas ministeriais irrealistas; baixos salários que causam tensão financeira; alvo constante de críticas; problemas matrimoniais e familiares por colocar o ministério como prioridade; não distanciamento da igreja ou do local de ministério para descanso, por conta de um ativismo que leva ao esgotamento e o esgotamento leva à depressão.

Já que pastores, líderes e missionários, não estão imunes à depressão, burnout e suicídio, como essas pessoas podem passar por esse vale escuro? Muitas vezes, há vergonha e receio em se abrir com alguém sobre essas dificuldades ou procurar ajuda de um profissional. Por outro lado, cada vez mais, esses ministros estão dispostos a falar sobre o assunto.

O pastor José André Sena, citado no início desse artigo, aceitou conversar conosco sobre sua experiência. Aos 44 anos, ele é casado com Vivian, com quem possui um casal de filhos, Nina e Bento (10 e 9 anos). Atualmente, trabalha como pastor executivo da 2ª IPI de Maringá. Num bate papo aberto e direto, José conta como identificou os primeiros sinais da depressão, como sua igreja da época lidou com o assunto e como foi seu tratamento até a cura. Hoje, ele é voluntário no Instituto Sara, uma organização voltada para acompanhar pastores no fomento de estratégias para uma vida de qualidade e no auxílio de elaborações de planejamentos estratégicos de igrejas como prevenção ao burnout ministerial. José também deixa algumas dicas aos pastores sobre como cuidar da saúde emocional e mental. Confira a conversa.

Como era sua rotina familiar e de ministério e como começou a perceber os sinais da depressão?

José André – Na época, eu era pastor titular em uma igreja de 350 membros. Eu procurava respeitar meu dia de folga para passear com a família, não era algo sagrado pois algumas demandas espontâneas poderiam entrar na agenda, mas sempre que isso acontecia eu buscava compensar a folga em outro dia. Hoje, vejo que o problema não era não tirar folga, mas internalizar as responsabilidades do trabalho durante as folgas. Geralmente, os assuntos dos livros que eu lia nos dias de descanso estavam relacionados com temas eclesiásticos e meus pensamentos giravam em torno de ideias e tarefas que eu precisaria fazer pós-folga. Na igreja, minha rotina basicamente era repleta de reuniões com a equipe ministerial, treinamento de equipes, atendimento de pessoas no gabinete, preparação de estudos e mensagens e monitoramento do planejamento estratégico da igreja. Minha depressão começou com um burnout, sintomas como irritação, arritmias, desconcentração, confusão existencial, tristeza foram crescendo para pânico de ambiente de igreja, desespero, angústia, vômitos depois dos cultos, isolamento, vontade de morrer, etc.

Quando você decidiu procurar ajuda profissional e como foi receber o diagnóstico?

José André – Depois de umas férias, parei o carro na frente da igreja e não fui capaz de entrar em meu gabinete, tremia de medo na porta da igreja. Saí dali e liguei para um pastor amigo que me encaminhou para um tratamento.

Qual foi a reação dos familiares, amigos e igreja?

José André – Familiares e alguns amigos me acolheram mesmo não compreendendo muito bem o que eu estava passando. A liderança da igreja aceitou meu pedido de eu tirar o restante de dez dias de minhas férias e pediu que eu procurasse um médico. Fiquei mais trinta dias de licença. Depois disso, a igreja achou que eu precisava enfrentar a situação e acabaram me direcionando para uma rotina mais rígida dentro da igreja, o que agravou meu quadro clínico e então pediram para eu entrar com pedido de licença médica pelo INSS. Eu fiquei cerca de um ano entrando e voltando de licença médica, mas nunca melhorava. Os membros e frequentadores da igreja não entenderam muito bem o que estava acontecendo porque não foi dada a eles uma explicação sobre a Síndrome de Burnout.  Entendo que para os presbíteros era uma situação muito nova (em 2013 o Burnout nem era considerado uma doença) por isso não tiveram habilidade para lidar com as minhas dores de maneira adequada.

Você conseguiu identificar o que levou você a desenvolver um quadro depressivo?

José André – Sim. Excesso de trabalho e falta de descanso da mente, altas expectativas quanto aos resultados ministeriais, falta de coesão entre a liderança da igreja, um inadequado planejamento estratégico da igreja (que leva sobrecarga física e emocional ao pastor), cuidado de casos complicadíssimos que necessitaram de disciplina eclesiástica.

Você teve pensamentos suicidas? Se sim, como lidou com isso?

José André – Tinha vontade de morrer e comecei a brincar com a morte. Dirigia em alta velocidade, cheguei por muitas vezes fechar os olhos enquanto dirigia apostando comigo mesmo quantos segundos eu conseguiria dirigir de olhos fechados, subia em terraços de prédios e sentava na beirada com os pés para fora.

Como foi o processo de tratamento? Qual foi o momento mais difícil?

José André – Tirei um ano sabático e nos mudamos como família para o nordeste, mas depois de um ano eu ainda não me sentia preparado para voltar para o ministério. Deixei de ser pastor da igreja local e continuei morando por mais quatro anos no nordeste. Ao todo, foram cinco anos sem pastorear. Meu tratamento envolveu distanciamento do ambiente da igreja na qual eu pastoreava, mentoria pastoral e frequência ativa nos cultos de uma nova igreja. Sessões contínuas com psicólogo, receitas médicas do psiquiatra (por 3 anos), boa alimentação, atividades físicas regulares e tempo de qualidade com a família. Um ponto muito importante é que eu me dispus a trabalhar em outras atividades não eclesiásticas, o que me ajudou a me interessar por outros temas. Nos cinco anos longe do pastorado acabei aprendendo mais duas outras profissões. Um detalhe, nos últimos dois anos fui nomeado como Secretário de Políticas sobre Drogas da cidade de Recife. O primeiro ano do ano sabático foi o mais difícil, principalmente porque não tinha uma rede de amizades estabelecida na nova cidade e as antigas amizades, que ficaram na cidade da antiga igreja, acabaram se distanciando também.

Como era sua visão sobre o assunto antes de ter passado por essa experiência e o que mudou?

José André – Eu nunca pensei na possibilidade de ter qualquer emoção de aversão ao ministério, pelo contrário, o ministério era minha vida, eu não me via fazendo outra coisa. Quando fiquei doente, com pânico de igreja, esse pensamento pesou como agravante trazendo sentimentos de frustração, confusão e culpa. Hoje, mesmo curado da burnout e depressão, sei que estou inteiramente suscetível ao retorno dessas enfermidades, por isso lido com contínuas estratégias de prevenção.

Quais hábitos você adotou para se manter saudável mental e emocionalmente?

José André – Tempo de qualidade com a família, atividades físicas regulares, acompanhamento com mentor pastoral, assumir o descanso como momento de não pensar em trabalho, me envolver em organizações com foco em temas que não estejam relacionados com minha igreja local, viver um dia de cada vez.

A partir de sua experiência, que recado você gostaria de deixar para outros pastores e líderes sobre depressão e suicídio?

José André – Quando eu estava com depressão eu recebia constantes mensagens como: “Seja forte”; “Coragem”; “Reaja”. Por mais sinceras e de boa vontade que eram as pessoas que tentavam me animar, essas declarações me traziam mais culpa, porque eu não tinha forças para atendê-las. Meu recado para você é: “Descanse física e emocionalmente, uma hora isso vai passar”. Para que esse descanso seja efetivo deve ser acompanhado de algumas ações:

  1. Curta sua família com tempo de qualidade;
  2. Abra o coração para um cristão piedoso, de preferência que não seja de sua igreja local (nos casos de burnout ministerial isso faz a diferença);
  3. Envolva-se com grupos produtivos que não estejam relacionados com sua igreja local.
  4. Faça caminhadas;
  5. Faça coisas que te lembrem como a vida é bela. No meu caso uma trufa de chocolate belga por dia, me ajudou muito.

Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.

Referências:

[i] Pastors at Greater Risk for Anxiety, Depression
[ii] O caminho sombrio para o suicídio de pastores
[iii] O gemido da liderança pastoral 
[iv] Os três pastores evangélicos que se mataram não tinham Deus no coração? 
[v] O pastor e a Síndrome de Burnout: Uma Abordagem Teológica-Pastoral 
[vi] Pastors Experience Depression, Too