Muito temos falado sobre os desafios ministeriais que pastores e líderes têm enfrentando no exercício de suas vocações durante a pandemia. Mas quem empresta os ouvidos para escutar as dores das esposas desses pastores e líderes? “Esposa de pastor” parece uma categoria que coloca mulheres numa posição em que os nomes são esquecidos, as vozes são silenciadas, os problemas são minimizados e o choro precisa ser engolido. A verdade é que esposas de pastor lidam com grandes responsabilidades e expectativas. Há muitos desafios.

Carol Barros, professora de história da igreja na Escola Convergência e casada com o pastor Ângelo Bazzo, acha que no Brasil é muito forte a expectativa da perfeição. “As pessoas podem julgar você como antipática, chata, fechada, mas não é isso. É que você não consegue ser amiga e ser superquerida com quinhentas pessoas. Isso é colocado não apenas sobre a mulher, mas sobre a família pastoral. Eu acho que a gente tem parte de culpa nisso. Precisamos começar a estabelecer em nossas igrejas uma cultura onde a gente não banque os heróis. Precisamos mostrar que somos fracos para que as pessoas não criem falsas expectativas”, afirma Carol.

Em alguns casos pode-se observar que se estabelecem ciclos emocionais em que a figura da líder se sente útil e valorizada apenas quando consegue suprir certas expectativas das pessoas. Larissa Estrada, pastora, casada com o pastor Felipe Falcão, faz uma advertência: “Precisamos descer desse lugar e dizer: ‘eu não consigo fazer isso por você e eu não vou suprir as suas expectativas’. Esse ciclo precisa ser quebrado pela própria esposa do pastor. Nós precisamos saber e que o nosso valor não está no cumprimento e em suprir expectativa das pessoas, mas, de fato, responder ao chamado que Deus nos deu.”

Para se aprofundar um pouco mais na temática e ouvir outras experiências, conversamos com Laíne Santos, Lidia Helizeth de Souza, Márcia Leite e Patrícia Silva. Elas são casadas com pastores e falaram conosco sobre os desafios e alegrias de ser “esposa de pastor”. Confira o bate-papo.

Existe uma ideia de que a família do pastor tem que ser perfeita. Você já sentiu isso?

Laíne – Eu mesma entrei no meu casamento com essa ideia. Meu marido já estava pastoreando e eu me cobrava muito para alcançar a “perfeição”, o que era muito cansativo e sofrido. Mas Deus, amoroso que é, providenciou que eu estivesse presente num retiro com esposas de pastores, onde ouvi do preletor que eu não deveria carregar nenhum fardo além do que o próprio Deus, em Sua palavra, me deu para levar. Foi libertador! Entendi que a direção de Deus para mim, como esposa de pastor, é a mesma que Ele dá para todas as mulheres da igreja. Hoje, não sinto pressão onde congregamos atualmente. Pura graça de Deus! Sei que não é a mesma realidade de muitas das minhas irmãs, que experimentam essa cobrança. É importante lembrarmos que o Senhor nos deixou toda instrução em sua Palavra e conversar com o marido para que ele se pronuncie sobre isso junto a igreja.

Lidia – Hoje não tenho problema com relação a isso. Sou bem vista por onde ando. Mas confesso que, antes de ser pastora e “apenas esposa de pastor”, sofri afrontas e discriminação de algumas pessoas, existem muitas críticas e palavras que ferem. Creio que Deus permite certas coisas para amadurecermos e crescermos, sabendo que Deus é a nossa bandeira. Certa vez precisei transferir meu filho de escola, quando criança, pois toda vez que fazia algo de errado ele era colocado de castigo no corredor da escola e diziam: “você é filho de pastor e deveria dar exemplo”. Meu filho era uma criança normal como qualquer criança, mas levava nas costas a responsabilidade de ser filho de pastor. Nunca me arrependi de ser esposa de pastor. Deus me deu a incumbência de cuidar, zelar e amar meu esposo e viver a vida ao lado dele fazendo a obra. Amo a Deus sobre todas as coisas e agradeço por este privilégio.

Márcia – Sim, no início eu mesma me cobrava. Depois com o amadurecimento foi ficando tranquilo essa questão. Lido com isso sabendo quem eu sou e ensino a meus filhos também.

Patrícia – Já sofri bastante por algumas cobranças do gênero. É triste! Porém, o que muito me alegra, é saber que a Bíblia não rotula e nem cria modelos em que os cônjuges e filhos devem se portar. As orientações direcionadas aos maridos em relação às esposas são uniformes. De igual modo, as esposas são orientadas sem diferenciação do papel social que o esposo desempenha. A Bíblia não faz distinções entre esposa de um mecânico, professor, engenheiro, pedreiro, médico, encanador. O mesmo raciocínio se dá em relação aos filhos. Infelizmente, as crianças também são alvo dessas cobranças. Há alguns anos tenho adotado uma postura de combate a esse pensamento de que a família pastoral é perfeita. Somos ser humano como qualquer outro.

Corresponder às expectativas alheias é o maior desafio da esposa de pastor?

Laíne – Lidar com expectativas irreais deve ser muito difícil, mas, no meu caso, o maior desafio é lidar com as críticas, tanto com relação a mim, quanto com relação a meu marido. E, também, lidar com os intentos do mal contra nós. Visando atingir nossos maridos, passamos a ser alvos da ação do maligno, que nos tenta e busca nos derrotar. Precisamos estar sempre vigilantes, firmes na Rocha, nos alimentando da Palavra de Deus, para sermos fortalecidas quando as lutas chegarem.

Lidia – Sou grata a Deus pelo privilégio de ser esposa de pastor. Como mencionei, não tenho problemas com o que devo ou não fazer. Deus me chamou para ser auxiliar de meu amado esposo e tudo que fazemos é principalmente para agradar a Deus. Estar no centro da vontade dele é o nosso objetivo.

Márcia – Sim, o maior desafio é não se deixar levar pelas expectativas dos outros e se manter com um coração quebrantado para o conduzir do Senhor.

Patrícia – Corresponder às expectativas alheias se configura como um dos desafios postos em muitos grupos sociais. O ser humano em si, vive em busca de aceitação e/ou reconhecimento como forma de reivindicar pertencimento. Exemplo disso: se nos comportamos exatamente como o grupo que fazemos parte exige, então somos aceitos. Caso contrário, precisaremos de algumas adequações. Quando isso é posto em relação à esposa do pastor, de forma geral, o que se espera dela é um padrão de comportamento “diferenciado”, ou seja, um estilo de ser e agir que não se iguale às demais esposas. Ela é a esposa do pastor. Qual o nome dela? É preciso romper com esses “padrões”.

Quais alegrias coleciona ao longo de sua caminhada como auxiliadora de seu esposo?

Laíne – A vida ministerial nos leva a servimos a outros e a nos dedicarmos a pessoas. A maioria das vezes sacrificamos muitas coisas. Sofremos e choramos. Mas quando contemplamos a colheita, vemos que valeu a pena e até poderíamos ter nos doado mais (risos)! Famílias restauradas; jovens que compreenderam seu chamado, foram enviados ao seminário e, depois, enviados pela igreja para o campo missionário; pessoas sendo despertadas para a urgência em fazer missões; vidas se rendendo a Cristo; contemplar a generosidade de irmãos e ajudar quem precisa; socorro chegando a pessoas em localidades esquecidas; transformação de realidades! Mesmo em meio a tantas lutas, são muitas alegrias! Como auxiliadoras, recebemos um chamado em que podemos refletir a imagem de Deus. Então, portando essa imagem em nós, de modo único, somos capacitadas a cuidar e abençoar nossos maridos, para que eles cumpram com êxito a missão que Deus os deu.

Lidia – Fazer a obra, trabalhar por amor a Deus. Somos pastores itinerantes, visitamos muitos ministérios, viajamos bastantes, conhecemos muitas pessoas ao longo dos anos. Vivemos uma vida missionária e é uma alegria estar fazendo o que Deus nos chamou para fazer. Hoje, meus filhos estão casados, servem ao Senhor, tenho muita alegria e agradeço a Deus por nos honrar com a salvação deles e por estarem na presença dele. Sou feliz e agradeço a Deus. Tenho um esposo maravilhoso, que me ama, respeita e eu o acompanho em tudo. Somos uma família unida e feliz.

Márcia – Uma das alegrias que posso citar é receber pessoas em minha casa e ter mais liberdade para desenvolver o serviço para a manifestação do reino de Deus. Acho que se fosse a alguns anos atrás minhas respostas seriam diferentes. Mas hoje estou bem tranquila, pois entendi o meu ministério.

Patrícia – Sem dúvidas, uma das maiores alegrias é ver na prática o quanto o Senhor é fiel. Poder experimentar a presença de Cristo no cotidiano e da forma mais simples, é espetacular. Vislumbrar o evangelho ser anunciado e fazer parte da vida de alguém através da vida do meu esposo, é indescritível. O sentimento é de certeza e gratidão de que estamos fazendo o que é certo. Conviver diariamente com um homem, que além de possuir um caráter íntegro é, um servo obediente e temente ao Senhor, é uma honra. Poder auxiliar na jornada de anunciar o Reino de Deus, é o que me leva a dizer: “Senhor, eis-me aqui!”


Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.

Este artigo foi inspirado no livro “Privilégio Sagrado: Desafios e alegrias de ser esposa de pastor”, escrito por Kay Warren, publicado pela editora Mundo Cristão. A obra aborda a sutil exigência de que pastor, esposa e filhos sejam perfeitos, infalíveis e plenos. As falas de Carol Barros e Larissa Estrada foram extraídas do Podcast da Mundo Cristão. Vale a pena ouvir o bate-papo sobre o livro clicando aqui.