A vida é uma dádiva. Quando nasce um bebê, a família toda se alegra. Ao olharmos aquela criança tão pequenina, tecida de forma única, com traços desenhados ao pormenor, não imaginamos o esplendor causado pela junção de um óvulo e um espermatozoide, repleto de carga genética individual, mas que, ao juntarem-se, no momento da fecundação, formam um ser único que começa a agarrar-se à vida também de forma singular.

Sim, a vida é uma dádiva e um presente de Deus que se tem multiplicado através das gerações, desde a criação do mundo.

Porém, do lado de cá das portas do Jardim Perfeito de Deus, o mesmo ser humano criado a Sua Imagem e Semelhança, foi se distanciando da sua essência, e a imagem do Criador foi ofuscada pela busca de significado, segurança e aceitação.

Neste mês considerado o Setembro Amarelo devido à prevenção ao suicídio, embora saibamos que este tema está ligado à saúde mental, não podemos descolá-lo também do fato de vivermos num mundo caído.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio continua a ser uma das principais causas de morte em todo mundo, representando 1 em cada 100 mortes, à frente de doenças como o HIV, a malária, o câncer de mama, à frente inclusive de guerras e homicídios.

Segundo a Ordem dos Psicólogos Portugueses, em Portugal suicidam-se pelo menos 3 pessoas por dia, sendo a incidência maior entre os homens, embora sejam as mulheres que apresentam mais comportamentos autolesivos e tentativas de suicídio. A OPP aponta para a possibilidade de que estes números possam estar subavaliados devido a causas de morte não divulgadas e ao fato de que para cada suicídio apontado há outras 25 tentativas sem consumação, que não aparecem como números relevantes.

Na verdade, as estatísticas são importantes, porém não medem a dimensão deste flagelo que atinge pessoas no mundo inteiro e que tem afetado indivíduos e suas famílias de forma avassaladora.

Recentemente temos ouvido sobre o suicídio entre pastores, líderes e missionários. Numa pesquisa recente entre missionários que estão servindo em campos transculturais, a maior causa apontada para o desgaste e para o desejo de desistência é o elevado peso das exigências ministeriais, a solidão e o estresse ligado ao excesso de trabalho.

O que se passa?

Ao pensarmos no contexto específico do trabalho além-fronteiras, que envolve famílias, missionários solteiros, pastores, pastoras e seus filhos, há algumas perguntas que precisam de respostas francas. O que está acontecendo com aqueles que têm convicção plena de serem chamados para cuidar e que têm feito tanto em função dos outros a ponto de chegarem a um desgaste aparentemente sem saída? O que leva pessoas convictas de seu relacionamento com Deus e sua causa, a abrirem mão da dádiva de viver, devido a tão intenso desgaste?

Entre os vários fatores de risco para o suicídio, há que se notar a dor ou o sofrimento psicológico que frequentemente é sentido como insuportável. A dor psicológica é uma experiência que não se baseia em cognições ou comportamentos específicos e por vezes pode estar escondida. O fato é que esta variável tem um efeito preditor forte para a ideação suicida e para as tentativas de terminar com a vida, e atua como mediadora em outros fatores como desesperança, depressão e perfeccionismo.

Ao tentarmos compreender, a principal resposta deverá passar pela constatação da fragilidade humana. Pastores, pastoras, líderes, missionários(as) e suas famílias, por vezes são vistos como heróis onde o sucesso faz parte do dia a dia e onde os resultados alcançados são o que realmente importa.

A dor psicológica chega para eles também. Afinal, como dito anteriormente, fora do jardim o ser humano anda em busca de significado, segurança, aceitação e busca de significado para esta população específica, pode estar no desempenho adequado, no sucesso alcançado, nas cartas de oração que devem chegar todos os meses… e na obrigação velada de que tudo esteja bem.

Por outro lado, a segurança passa pela provisão necessária, por um lugar seguro para se viver, pelo sustento financeiro, que por vezes não é adequado e pelo conforto de pertencer a algum lugar.

Quanto à aceitação, tem tudo a ver com o sentido de pertencimento, de fazer parte, de estar inserido e acolhido num contexto que não é o seu e ao qual precisa se adaptar.

Assim, a dor maior esconde-se por trás da performance, da falta de amigos, de um lugar seguro onde possam encontrar espaço de partilha e vulnerabilidade.

A prevenção é um fator fundamental, e as organizações, convenções e igrejas locais precisam estar atentas, criando estratégias de prevenção, redes de apoio que incluam psicólogos, psiquiatras, médicos e outros profissionais de saúde.  Passa pela promoção da Saúde Psicológica, criação de ambientes de confiança e Cuidado Integral, onde a vulnerabilidade é a tinta com a qual se escreve liberdade e reencontro, com a certeza de “ter sido tecido nas entranhas de sua mãe de modo tão extraordinário e maravilhoso, como uma dádiva que vale a pena viver”. (Salmo 139:15)


Por Arlete Castro. Arlete é missionária da Sepal, onde coordena a área de Cuidado Integral dos Missionários Transculturais, Psicóloga Clínica e Conselheira. Juntamente com seu marido, Luiz Castro, coordena o ministério PitStop em Portugal, onde recebem famílias de pastores, líderes e missionários para temporadas terapêuticas e aconselhamento.