“Deus estabeleceu paz conosco e entre nós por intermédio de Cristo. Não podemos reivindicar sermos filhos autênticos a não ser que também nos envolvamos na pacificação.” (John Stott)

As atrocidades de guerras que costumávamos ver em livros de história e filmes de ficção se desenrolam neste exato momento, ao vivo, aos olhos de todo o mundo. Já são mais de 2,8 milhões de pessoas fugindo da Ucrânia desde o início da invasão russa [i]. O número exato de mortos é difícil de dizer, mas até 10 de março a ONU estimava a morte de cerca de 6 mil soldados russos e mais de 500 civis na Ucrânia [ii].

Talvez nem fosse preciso mensurar números para concordarmos que a guerra é um horror. Ela expõe o pecado e a maldade humana, mostra a ganância e a idolatria de governantes que colocam o poder acima da vida, de forma tão absurda que quem está longe não consegue acreditar que é real.

Como a fé cristã nos ajuda a processar esses acontecimentos? O que pensadores cristãos já argumentaram a respeito de guerras? Longe deste artigo dar uma explicação ou uma palavra definitiva sobre o assunto, mas cremos que vale a pena ouvir o que foi ponderado por pessoas relevantes na história da igreja.

Neste sentido, trazemos a seguir algumas colocações de Martin Luther King e John Stott. O primeiro, pastor batista e ativista pelos direitos civis e pela igualdade de direitos entre negros e brancos nos Estados Unidos. O segundo, pastor e teólogo anglicano, um dos maiores referenciais no movimento evangelical e principal arquiteto do Pacto de Lausanne [iii].

Martin Luther King e a Guerra do Vietnã

Martin Luther King disse que sua consciência não lhe dava outra opção que não fosse condenar a Guerra do Vietnã e o efeito deletério da invasão ao país do Sudeste Asiático. Ele insistia que era uma necessidade moralmente imperativa para os Estados Unidos parar a guerra de forma unilateral. Em certa ocasião, King disse a jornalistas que, como pastor, ele tinha a obrigação de deixar claro sua “profunda preocupação acerca da necessidade da paz em nosso mundo e para a sobrevivência da Humanidade”.

No sermão que denominou “O Não-Conformista Transformado”, King declarou sua oposição pessoal à Guerra do Vietnã, como uma agressão norte-americana aos acordos de Genebra de 1954 nos quais os signatários se comprometiam com o direito dos povos à autodeterminação. Em uma de suas declarações mais incisivas contra a guerra, King pôs o dedo na ferida denunciando a devastação do Vietnã “pela arrogância ocidental”, destacando que os Estados Unidos se posicionam “do lado dos ricos, dos seguros, enquanto criam um inferno para os pobres”. Ali ele voltou a dizer que o primeiro passo na direção certa seria uma declaração de cessar-fogo unilateral [iv].

John Stott e o chamado ao pacifismo

No livro “Os Cristãos e os Desafios Contemporâneos”, John Stott faz uma adequada exposição sobre os posicionamentos adotados por cristãos em tempos de guerra. A seguir, destacamos alguns trechos:

“Todos os cristãos afirmam o caráter do reino de Deus é justiça e paz. Nós cremos que a conduta de Jesus foi um exemplo perfeito dos ideais do reino que ele proclamou. Somos chamados comunidade do reino para ter fome de justiça, buscar a paz, calar a vingança, amar os inimigos – para, em outras palavras, sermos marcados pela cruz. Estamos ansiosos pelo reino consumado em que os povos “farão de suas espadas arados, e duas lanças, foices” e em que “uma nação não mais pegará em armas para atacar outra nação, elas jamais tornarão a preparar-se para a guerra” (Is 2.4).

“[…] admiro a lealdade, o autossacrifício e a coragem de servir dos soldados. No entanto, não devemos exaltar ou glorificar a guerra em si, por mais justa que entendamos que seja sua causa. Alguns cristãos acreditam que, em algumas circunstâncias, ela pode ser defendida como o menos de dois males, mas nunca deve ser considerada pela mente cristã como mais do que uma necessidade dolorosa num mundo caído.”

“Jesus falou tanto de guerra quanto de paz. Por um lado, ele nos advertiu quanto a “guerras e rumores de guerras”; por outro lado, ele incluiu em sua caracterização dos cidadãos do reino de Deus o papel ativo da pacificação. Ele considerou seus seguidores pacificadores como bem-aventurados por Deus e como filhos de Deus (Mt 5.9). Pacificação é uma atividade divina. Deus estabeleceu paz conosco e entre nós por intermédio de Cristo. Não podemos reivindicar sermos filhos autênticos a não ser que também nos envolvamos na pacificação.”

“Todo cristão é chamado para ser um pacificador. As beatitudes não são um conjunto de oito opções das quais alguns escolhem ser mansos; outros, misericordiosos e outros ainda pacificadores. Juntas, elas são a descrição de Cristo a respeito dos membros do seu reino. É verdade que não seremos bem-sucedidos em estabelecer a utopia na terra, nem o reino de Cristo de justiça e paz se tornará universal dentro da história. Somente quando ele retornar é que as espadas serão forjadas em relhas e as lanças em objetos de poda. Mesmo assim, esse fato não dá permissão possível para a proliferação de fábricas para a manufatura de espadas e lanças. A predição de Cristo a respeito da fome nos impede de procurar uma distribuição mais equitativa do alimento? A sua predição de guerras não pode inibir nossa busca pela paz. Deus é um pacificador. Jesus Cristo é um pacificador. Assim, se quisermos ser filhos de Deus e discípulos de Cristo, devemos ser pacificadores também.”


[i] CNN Brasil 
[ii] Notícias UOL
[iii] Lausanne
[iv] Hora do Polo