“Precisamos de uma espiritualidade que nos lance para o compartilhar da dor da sociedade”

Marcos 11; 12-14; “No dia seguinte, quando saíram de Betânia, teve fome. E, vendo de longe uma figueira com folhas, foi ver se nela, porventura, acharia alguma coisa. Aproximando-se dela, nada achou, senão folhas; porque não era tempo de figos. Então, lhe disse Jesus: Nunca jamais coma alguém fruto de ti! E seus discípulos ouviram isto”. Este milagre serviu para demonstrar toda a decepção que Cristo estava sentindo a respeito da missão de Israel. Revelando a sua improdutividade e a sua vida de aparências. A figueira sem frutos também representa em que a religião havia se transformado. Segundo o Talmude, a figueira costumava produzir figos duas vezes ao ano. Um dos sinais para saber que havia bons figos era o fato de as folhas terem aparecido. No processo normal, deveria aparecer a beleza dos frutos depois toda a folhagem.

Sem frutos

Ao passo que a figueira mostrava belas folhas sem fruto algum, não desenvolvendo o processo natural, esta figueira estava mentindo, estava enganando. Suas folhas estavam avisando que os frutos existiam, mas ao tentar encontrá-los nada poderia ser apanhado. Sua existência tornara-se falsa, fingida e hipócrita, por isso não possuía mais significado algum. Ao tentar estabelecer uma existência mentirosa, Cristo ordenou que secasse.

Também não podemos ler este texto da figueira e deixar de relacioná-lo com o próximo texto em que Jesus entra no templo exortando e expulsando todos os que transformaram a religião em um grande mercado. Eram os cambistas e vendedores dos produtos que a religião oferecia. O sagrado virou comércio: vendiam amuletos, transformaram a fé em um ato artificial, promoviam um culto sem alma. A religião se tornou em uma máquina de fazer dinheiro, havia toda uma estrutura de enriquecimento dos sacerdotes. E o que Deus pensava de tudo aquilo era o que menos importava. Um dos motivos da indignação de Jesus é que esta prática tinha a capacidade de enganar gente simples, gente boa, que na busca por um encontro com a verdade encontra as “figueiras com folhas e sem frutos”, que enganam, aparentando ser algo que não são, ou tendo algo que não têm. Neste cenário da monetarização da fé, bem como ao longo da história, vemos a capacidade de líderes comprarem e venderem em nome de Deus, de usarem o sagrado para lucros exorbitantes, de transformarem a casa de oração em um verdadeiro “covil de salteadores”.

“Figueiras” cheias de folhas mas sem frutos

Não temos muita dificuldade de entendermos este texto. Basta darmos uma olhada para o cenário evangélico brasileiro que veremos uma faceta que, diga-se de passagem, não é muito pequena de “figueiras” cheias de folhas, mas das quais não conseguimos ver os frutos, de pessoas que aprenderam a lucrar, e lucrar muito, com a utilização do sagrado.

Gente como Geazi no momento da cura de Naamã em 2 Reis 5: 20-27, fica enlouquecido com toda a grana que Eliseu rejeitou. A sua familiaridade com o sagrado foi a sua desgraça, não havia mais devoção, amor, responsabilidade. O seu coração já estava perdido mesmo vivendo nos bastidores da religião.
Precisamos de uma espiritualidade que nos lance para o compartilhar da dor da sociedade, que nos torne capazes de dizer assim como Elias disse quando Acabe quis saber onde ele estava, em 1 Reis 18: 11. Elias estava vivendo a dor do povo, estava onde a vida acontece, no centro dos problemas, conflitos e agonias do seu povo. Que Deus nos tire dos nossos ambientes confortáveis, onde se torna fácil fazer teologia, a chamada teologia de sacada, onde tudo não passa de um belo discurso, enxergando a vida e a dor de maneira distante uma da outra, nos recusando a envolver com realidades duras, com o objetivo de transformá-las.

Líderes servos

Precisamos de líderes servos, que ensinem a igreja a ser serva do mundo, que não estejam cegos pelo poder, que não se vendem diante das propostas feitas no “monte alto”, (tudo isto te darei se prostrado me adorares). Não podemos aceitar uma igreja onde os cambistas se tornam parte dela, gente que tem a capacidade de faturar muito ao desenterrar os “amuletos”, que a Reforma Protestante enterrou.

Jamais devemos aceitar a idéia da inutilidade da igreja no mundo. Jamais devemos nos render ao comportamento mentiroso de algumas instituições. Jamais devemos nos impressionar e ser seduzidos por uma existência que só tem folhas, onde a hipocrisia se torna algo aceitável.

Não podemos concordar em transformar nossa caminhada em um comércio religioso, ou de que os nossos frutos mostrem a nossa qualidade como igreja, de que as nossas folhas não revelem um comportamento mentiroso, mas, que sejam somente o testemunho que temos cumprido a nossa missão. Sinto-me muito feliz por fazer parte de uma geração que está convicta na decisão de não viver uma existência de figueira, com folhas e sem frutos, que está tomada por um desejo de servir a igreja baseada somente no evangelho.