Jovens brasileiros de 16 a 24 anos estão cada vez mais abandonando a religião. Algumas das causas seria a falta de credibilidade, o apego ao conservadorismo, a pregação de preconceitos, o desencontro de valores morais e a sensação de não pertencimento. Jovens “sem religião” é um grupo que não para de crescer e já é a maioria nos principais polos econômicos e populacionais do país. O abandono de laços com instituições religiosas diz respeito não apenas ao segmento evangélico, mas aos diversos ramos religiosos como o catolicismo, islamismo, budismo, umbanda, espiritismo, entre outros.[i]

Quem acompanha esse fenômeno talvez não se surpreenda com os números recentes no cenário religioso brasileiro. Em 2011 o Barna Group, um centro de pesquisa norte-americano, já sinalizava essa tendência entre jovens evangélicos nas igrejas estadunidenses[ii]. Após cinco anos de pesquisa, Barna identificou alguns temas importantes que fazem os jovens desconectarem-se da igreja permanentemente ou por um período prolongado de tempo de suas vidas.

Entre as causas está o fato de que as igrejas têm a tendência de ser superprotetoras, propiciando aos jovens uma experiência cristã sufocante. Por outro lado, há aquelas que promovem uma vivência superficial e sem profundidade com o evangelho. Também foi identificado entre o incômodo com o aparente antagonismo entre ciência e fé, o discurso simplista e cheio de julgamentos quanto à sexualidade, e a tensão de abraçar a natureza exclusiva do cristianismo numa sociedade cada vez mais relativista.

Conflitos morais e a cortina de fumaça

Drew Dyck, autor de “Geração ex-cristã: Por que os jovens adultos estão deixando a fé. . . E como trazê-los de volta”, afirma que, nos Estados Unidos, aproximadamente 70% dos jovens abandonam a igreja entre 18 e 22 anos. Já o Barna Group estima que 80% daqueles criados na igreja serão “desigrejados” quando tiverem 29 anos.

Mas, afinal, por que essas pessoas estão deixando as igrejas? Nas muitas entrevistas que Drew Dyck fez para escrever seu livro, a resposta mais recorrente foi alguma variação relacionada ao compromisso moral. Dyck escreve:

“Uma adolescente vai para a faculdade e começa a ir a festas. Um jovem vai morar com a namorada. Logo o conflito entre crença e comportamento se torna insuportável. Cansados de lidar com uma consciência culpada e sem vontade de abandonar seus estilos de vida pecaminosos, eles abandonam seu compromisso cristão. Eles podem citar ceticismo intelectual ou decepções com a igreja, mas são cortinas de fumaça. Eles mudam seu credo para combinar com suas ações.”[iii]

Um evangelho superficial e um Deus distante

Ainda de acordo com o escritor Drew Dyck, a causa de muitos jovens abandonarem a fé está relacionada a algo que aconteceu dentro e não fora da igreja. Ele afirma que a maioria dos que abandonam a igreja foram apresentados a uma forma superficial de cristianismo, definido como “Deísmo Terapêutico Moralista”. O sociólogo Christian Smith explica que se trata de um modelo que apresenta Deus como um Criador distante, cujo objetivo é abençoar as pessoas que são “boas, agradáveis e justas” e ajudar os crentes a “serem felizes e se sentirem bem consigo mesmos”.

Infelizmente, este tipo de ensino está presente em muitas igrejas, de forma implícita ou explícita, desde cultos amigáveis até pequenos grupos de baixo comprometimento. Quando essa visão ingênua e friamente utilitária de Deus se choca contra a realidade, facilmente essas pessoas abandonam a fé e a igreja, pondera Dyck.

Há espaços para dúvidas e crises de fé?

Outro padrão identificado nas entrevistas de Drew Dyck diz respeito à dificuldade que as lideranças das igrejas demonstram quando os jovens apresentam dúvidas. Dyck conta que “alguns foram ridicularizados na frente de colegas por fazerem perguntas insolentes, outros relataram receber respostas banais e foram repreendidos por não aceitá-las, e um jovem foi esbofeteado no rosto, literalmente”.

Muitas vezes, as igrejas são limitadas em recursos apropriados. Há programas voltados para grupos de gênero e idade e para aqueles que lutam contra vícios ou estão começando os primeiros passos na fé. Mas há pouco ou quase nenhum espaço para acompanhamento dos cristãos que lidam com crises de fé.

Drew Dyck afirma que a resposta está para além de oferecer algum tipo de programa. É preciso repensar como ministramos aos jovens, desde a juventude até a velhice. Nas últimas duas décadas, o foco no ministério de jovens mudou do crescimento espiritual para atrair um grande número de pessoas e mantê-las entretidas. Hoje, muitos ministérios estão praticamente desprovidos de qualquer envolvimento espiritual. Não há nada de errado com noites de pizzas e jogos, mas essas atividades não podem substituir programas sérios de discipulado e ensino.

A secularização e o pluralismo religioso

O crescente número de jovens que abandonam a fé e se declaram sem religião está relacionado com o processo de secularização de uma sociedade marcada cada vez mais pelo pluralismo religioso. De forma abrangente, o secularismo pode ser entendido como um modo de vida e de pensamento que é seguido sem referência a Deus ou à religião. “Em termos gerais, o secularismo envolve uma afirmação das realidades imanentes deste mundo, lado a lado com uma negação ou exclusão das realidades transcendentes do outro mundo. É uma abordagem não religiosa da vida individual e social.”[iv]

John Stott, teólogo anglicano, escrevendo sobre o secularismo como um dos desafios contemporâneos para a igreja, menciona o caso do cristianismo na Europa, hoje considerado um continente pós-cristão, e comenta o declínio das igrejas em detrimento do aumento no número de pessoas que abandonam suas congregações. O curioso é que, enquanto ocorre o declínio da igreja evangélica na Europa, acontece também o florescimento de inúmeras alternativas religiosas. Stott escreve:

“[…] mesmo respeitando os pontos de vista daqueles que pertencem a outras religiões, devemos ter o cuidado de estar cientes de sua influência na sociedade em que vivemos, além de convidá-los a debater conosco acerca do modo como vivemos e das posições que defendemos. O que não podemos fazer é tentar impor nossa cosmovisão sobre outros grupos religiosos, mesmo discordando deles.”

Não deveria ser motivo de espanto o crescente número de jovens sem religião numa sociedade secularizada e pós-moderna, na qual as antigas certezas e convicções são retiradas da cena e ganha espaço um sentimento de incerteza, onde instituições como o casamento passa a ser uma opção entre tantas outras, todos os tipos de crenças sofrem um processo de fragmentação, todos os tipos de autoridades são alvos de desconfianças e não há mais valores nem verdades absolutas.

Diante desse cenário, Stott argumenta que o cristianismo não pode abandonar nem negociar o seu protesto de que Deus revelou a verdade por meio de Cristo. Ao mesmo tempo, diz o teólogo, temos de reconhecer que não podemos voltar aos métodos evangelísticos dos anos 50 e repensar a maneira como fazemos missões hoje.

A igreja importa

Encarar os desafios da sociedade pós-moderna e secularizada, com crescente número de jovens que não querem fazer parte de uma igreja, vai muito além de lança um novo programa. Cera Trevin, escrevendo no The Gospel Coalition, argumenta que é preciso desenvolver pessoas que se comprometam a discipular e orientar os jovens. Os relacionamentos centrados no evangelho são a chave para a construção de crentes fortes que permanecem conectados na comunidade da igreja, durante a juventude e além.

A razão pela qual alguns jovens abandonam a fé não é porque vão para a faculdade, mas porque param de ir à igreja e mergulham em uma cultura secularizada. A verdade é que a responsabilidade e as atividades importam e envolver os jovens na missão de Deus é um fator primordial para mantê-los engajados.

Lesslie Newbigin afirma: “A melhor apologética para uma era secular é um povo que está neste mundo, mas não é dele, cuja vida comum é orientada para a verdadeira história de um novo mundo que começou na manhã de Páscoa. Por esta razão, devemos aumentar nossos esforços para discipular, orientar, reter e envolver os jovens […].”


Por Phelipe Reis, jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.

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[i] As informações são de uma matéria publicada na revista Isto É, em 27 de maio deste ano, com base nas primeiras pesquisas Datafolha do ciclo eleitoral de 2022, realizadas nos principais polos econômicos e populacionais do país.
[ii] Six Reasons Young Christians Leave Church
[iii] The Leavers: Young Doubters Exit the Church
[iv] Secularismo — Religiosidade Sem Deus E Morte Espiritual