Você sabia que na Espanha o Dia de Reis (06 de janeiro) tem maior expressão do que o Natal? É isso mesmo. E quem nos conta isso com detalhes são as irmãs Beth e Eveny Bourguignon, brasileiras, missionárias da Sepal que vivem e atuam na Espanha há mais de vintes anos.

Culturalmente, a gastronomia é um dos elementos que se tornam destaque na celebração natalina. É muito esperado o momento em que a família e os amigos se reúnem ao redor da mesa para compartilhar um delicioso jantar. As Bourguignon, como as irmãs carinhosamente são chamadas, não fogem à tradição. Mesmo vivendo na Espanha, elas celebram o Natal à moda brasileira, com comida gostosa e muitos convidados, mas sem tirar Jesus de cena, o real motivo do Natal.

Na verdade, receber pessoas e partilhar a mesa é um estilo de vida para as irmãs Beth e Eveny, mas que na Espanha se tornou algo intencional, um ministério. Esse tipo de ministério tem sido chamado por muitos de “discipulado à mesa”, que, inclusive, foi tema de uma live no canal da Sepal no Youtube.

Com as “comemorações do Natal em evidencia”, convidamos Beth e Eveny para um bate-papo sobre Natal e discipulado à mesa. Não teve comida, mas a conversa foi muito boa e você pode ler abaixo. Elas descrevem como celebram o Natal na Espanha e como desenvolvem esse ministério de compartilhar a vida, a comida e Jesus com pessoas, conhecidas e desconhecidas, sempre ao redor da mesa.

Confira o relato delas sobre a celebração de Natal e em seguida uma entrevista.

Do Natal ao Dia de Reis

“Em casa, na Espanha, nós costumamos celebrar o Natal do dia 24 para o dia 25, como no Brasil. Mas em geral, aqui na Espanha, o pessoal celebra mais o dia 25 e as famílias se reúnem para comer. Na verdade, aqui o Natal não tem grande expressão como no Brasil. A expressão maior está no Dia de Reis (06 de janeiro). De alguma forma, isso facilita porque quando a gente chama as pessoas para irem em casa no dia 24, a princípio elas acham que é um simples jantar, mas quando elas chegam encontram não só um jantar à mesa, mas uma celebração pelo nascimento de Jesus. Geralmente, no dia 24 sempre há pessoas solitárias nas igrejas, pessoas que vivem sozinhas, como estudantes que vem de fora. A gente observa, tenta identificar essas pessoas e tenta chamar com o objetivo de trazer essas pessoas para a família e sentirem que fazem parte dessa família. Em nossa celebração natalina tudo acontece na mesa. Tem comunhão à mesa, fazemos culto, oramos e agradecemos pelo privilégio de ter Jesus em nossas vidas. A gente explica que é uma tradição que gostamos de celebrar, como expressão da nossa fé. É um momento para compartilharmos nossa fé, falar aquilo que a gente crê e porque celebramos com tanto entusiasmo. Também temos o costume de distribuir pequenos presentes no edifício, na farmácia, nos comércios e demais lugares que vamos perto da nossa casa. E junto com os presentes colocamos um cartão com algum versículo evangelístico sobre o nascimento de Jesus. No dia 25 de dezembro é o aniversário da Eveny, então a gente acaba juntando os amigos, companheiros de ministério e as outras pessoas. O aniversário acaba sendo uma desculpa para o convite e para a celebração. Já recebemos gente importante, gente famosa, gente rara, extravagante, gente doida mesmo, doida, doida. Eu lembro de um Natal em que nós éramos dezessete pessoas. Havia um rapaz, amigo de um amigo nosso, que estava em Barcelona com a família por causa de uma questão de saúde de um menino. Não os conhecíamos e nem sabíamos quantos eram, mas convidamos a família para a celebração de Natal em casa. Geralmente, depois de comer, fazemos uma dinâmica para as pessoas compartilharem um pouco sobre suas vidas e agradecerem por algo. A família convidada começou a compartilhar a história do menino e foi surpreendente. Há muitos anos haviam detectado uma doença rara no garoto e ele não podia andar. Ele chegou de muletas a Barcelona para fazer uma cirurgia muito delicada para ver se ele conseguia andar. Essa família era do Brasil e era muito simples. Em cada detalhe da história a gente percebia claramente os milagres que Deus fez. Até pessoas que estavam no momento e não criam em Jesus ficaram impactadas ao ouvirem o testemunho.”

Como vocês conceituam “discipulado à mesa”?

Beth e Eveny Bourguignon – Discipulado é mais que um simples conceito, é estilo de vida. O discipulado à mesa é mais que compartilhar a tua comida, é compartilhar a tua vida e a tua intimidade; é abrir o teu coração, ser receptivo, assertivo, empático; é poder abrir a sua vida e transbordar a tua vida na vida do outro, através do compartilhar a mesa e a comida. E tudo isso se fundamenta na perspectiva de que Jesus era relacional e Deus é relacional. Também tem a ver com o fato de que a gente sempre teve uma cultura familiar ao redor da mesa, pessoas diferentes passavam pela nossa mesa, de todas as culturas, línguas, circunstâncias, pobres, ricos, marginalizados e a gente cresceu nesse ambiente. Como a gente cresceu nesse ambiente, ter pessoas à mesa é algo muito natural.

Como foi o processo de descoberta e entendimento que esse seria um ministério?

Beth e Eveny Bourguignon – O processo aconteceu naturalmente porque é um DNA da nossa família, é uma cultura familiar recebermos pessoas. Então, nós vimos a oportunidade de transformar algo natural em algo intencional. A gente sempre convidou pessoas para irem à nossa casa comer e ao comermos juntos a gente desenvolve o relacionamento, a intimidade, o coleguismo, a aproximação e conversamos sobre tudo. Na Europa, as pessoas são tão fechadas e o conceito familiar europeu é muito íntimo: a sua mesa e a intimidade do seu lar é compartilhada com pouquíssimas pessoas. Uma das maneiras que encontramos de romper com esse paradigma e de nos aproximarmos de uma maneira diferente as pessoas, foi usando a mesa, por causa desse conceito tão familiar e tão íntimo. Então, quando a gente convida alguém para ir à nossa casa, a primeira reação dessa pessoa é de espanto, porque a intimidade não se abre. E quando a pessoa vê que nós abrimos mais que a intimidade da nossa casa, isso cria uma aproximação muito profunda entre nós. Acaba acontecendo uma troca, em que a pessoa sai cheia de um novo conceito de aproximação e relação e ela quer mais, quer descobrir mais, quer ter mais vivência conosco, porque ela se sente bem, ela se sente acolhida, se sente respeitada, se sente amada. A gente recebe todo mundo, mas também tenta individualizar. A gente sempre pensa em Jesus e imagina que numa mesa com Jesus devia ser incrível, devia ter um bom papo, uma boa gargalhada, comia-se bem. Então, o que a gente tenta reproduzir é isso, para que a pessoa que esteja comendo com a gente se sinta amada, mimada, ouvida, entendida, não importando a circunstância, não importando de onde ela vem, o que ela faz. Mais importante é aquilo que ela é.

O dom da hospitalidade deve ser uma característica de todo cristão? Qual a receita para quem tem o desejo de desenvolver ou aprimorar essa virtude?

Beth e Eveny Bourguignon – Cremos que o dom da hospitalidade é para todo cristão, sim. Todo cristão tem que estar aberto a receber na sua casa e compartilhar a sua vida. A verdadeira hospitalidade não é só abrir a casa, é abrir o seu coração e tudo aquilo que você tem para compartilhar com o outro. Para que isso seja realidade na sua vida e na sua casa, a primeira coisa é convidar. Comece a convidar as pessoas, seja quem está mais próximo ou quem você não conhece. Sempre tem um prato que você sabe fazer ou então que você sabe aonde comprar. E sempre tem alguém que você tem que conhecer e que seria interessante se aproximar. Então, não existe outra receita, tem que praticar e para isso tem que começar a convidar. Alguns pensam que o mais importante na mesa é a comida, mas, na verdade, você pode comer até um ovo frito com batata frita (isso é maravilhoso!), o que vai fazer diferença é o jeito que você vai tratar a pessoa, a atenção e o carinho que você vai ter com ela e a generosidade de compartilhar aquilo que você tem. Para aprimorar esse dom, o ingrediente fundamental é o amor e expressar esse amor por meio do serviço. Com uma boa comida, uma boa acolhida, uma recepção carinhosa, afetiva, fazendo com a pessoa se sinta à vontade e se sinta amada. O restante são detalhes, detalhes que também fazem diferença, como uma mesa bem arrumada, uma comida elaborada, um arranjo de mesa, tudo feito com amor e carinho, para que a pessoa se sinta especial.

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Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.