“Ausência e abandono parecem ser universais entre aqueles que trilham as estradas da peregrinação cristã”
Aos 22 anos, Martinho Lutero teve uma experiência tipo Paulo no caminho de Damasco. No meio de uma terrível tempestade foi atingido por um raio que o lançou ao chão. Atemorizado e afetado espiritualmente, Lutero abandonou seus estudos na universidade à revelia da família, ingressou num mosteiro beneditino e tornou-se sacerdote. Esse foi o início de sua vocação cristã. Logo após sua ordenação, enquanto celebrava sua primeira santa ceia (eucaristia), dominado pelo pensamento de Deus, quase saiu correndo do santuário. Dizem que Lutero tinha um intenso entendimento do mysterium tremendum. Este senso profundo da grandeza, majestade e santidade de Deus o acompanhou em toda sua vida, impedindo que sua relação com Deus se esfriasse em meio às rotinas ministeriais, rituais, orações e leituras mecânicas.
Presença de Deus
Estive recentemente em Londres, na Inglaterra, e visitei a Abadia de Westminster. Este é um dos lugares que você não se sentirá decepcionado de forma alguma. Originalmente construída no século 11 como um mosteiro (como ainda é, apesar de parte do seu subterrâneo ter sido transformado num moderno coffeshop), foi fundado por Eduardo, o Confessor, cujos restos ainda se encontram lá na frente da igreja. Quando você anda ao redor, descobre que a abadia é um verdadeiro “quem é quem” de reis, rainhas, estadistas e poetas. Abaixo de seus pés estão os túmulos de William Shakespeare, Willian Wilberforce, Charles Dickens, T.S. Eliot, D.H. Lawrence, George Frederick Handel, Isaac Newton, para citar alguns. A parte principal é a catedral de Westminster – uma enorme basílica, em estilo de arquitetura gótica que lhe deixa com uma visão deslumbrante de altura e profundidade. Se você não sentir a presença de Deus nela dificilmente sentirá em outra igreja. A enorme distância entre o chão e as abóbadas lá em cima, o espaço da parte de trás da nave até o altar, bem como a complexidade da arte em todas as paredes e janelas e esculturas, me impressionaram tanto que produziram uma sensação da grandeza inimaginável e da presença inigualável de Deus. Tive um profundo sentimento de que Deus estava presente, embora não totalmente acessível. Experimentei ao mesmo tempo a presença e a distância de Deus, sua imanência e sua transcendência.
Deus está próximo e distante, imanente e transcendente
Esta não é uma experiência nova. O profeta Isaías escreve sobre o Deus das galáxias e das estrelas que habita na alma do homem, no capítulo 57, verso 15: “Porque assim diz o Alto e o Excelso, que habita na eternidade e cujo nome é santo: Num alto e santo lugar habito, e também com o contrito e humilde de espírito, para vivificar o espírito dos humildes, e para vivificar o coração dos contritos”. Deus está próximo e distante, imanente e transcendente ao mesmo tempo.
Quantas vezes você já sentiu que Deus estava ausente? Quantos momentos de dúvidas: será que Deus não se lembra de mim? Ele não ouviu minhas orações? Ele não se preocupa comigo? Bem, muitos escritores antigos chamara essa ausência divina de Deus Absconditus – o Deus que está oculto. O Deus escondido que permanece oculto.Essas horas de aparente deserção, ausência e abandono parecem ser universais entre aqueles que trilham as estradas da peregrinação cristã. Pense nas solitárias palavras no topo do Gólgota: “Deus meu, por que me desamparaste”? Por que agora? Por que eu? Os cristãos através dos séculos têm testemunhado a mesma experiência. São João da Cruz deu-lhe o nome de “noite escura da alma”. Um escritor inglês anônimo identificou-a como “a nuvem do desconhecido”. Você recita as palavras do Salmo 139: “seu conhecimento é muito alto para mim” ou as palavras de Jó 36: 26: “Eis que Deus é grande, e nós não o conhecemos, e o número dos seus anos não se pode esquadrinhar”. “Ninguém jamais viu a Deus”, disse João na introdução ao Evangelho, “somente o Filho Unigênito, que está unido ao Pai” (Jo 1: 18). Nos sentimos como Paulo em Romanos 11:33, 34: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Pois, quem jamais conheceu a mente do Senhor? ou quem se fez seu conselheiro?”.
Será que Deus me ouve?
Seja honesto e admita sua frustração e distanciamento. Será que está me ouvindo? Será que o Senhor me escutou? Mesmo que pareça estar sozinho, continue orando. Continue ansiando por Deus, continue buscando uma voz mais próxima, um sinal de sua presença, um toque do seu amor. Há um espaço vazio no seu quarto. Deseje vê-lo andar ao seu lado. Há um vazio no seu coração que o Senhor deseja ocupar. Em situações extremas de perigo e desespero, muitas vezes as pessoas clamam por ajuda, como o profeta Isaías: Ah, se o Senhor rasgasse os céus e descesse entre nós, me abraçasse, me tocasse e me amasse (Is. 64:1)! Será que esta solidão e frustração com a aparente ausência de Deus resume-se apenas num sinal de imaturidade? George Fox, o grande líder do movimento quacker, disse simplesmente: “Quando era dia, eu desejava a noite, e quando era noite, eu desejava o dia.” Ter uma tímida compreensão de Deus é ainda melhor que nenhuma. O mesmo profeta Isaías havia dito: Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto (Is. 55:6).