Diante da crise e de seu consequente impacto na oferta de trabalho, como a participação da igreja pode apoiar eficazmente os que buscam emprego?

Em um curto espaço de tempo, tivemos de reformular a rotina familiar e profissional. O impacto global da crise causada pela COVID-19 levanta rumores de um prejuízo econômico incalculável, tendo como uma de suas principais sequelas o aumento do desemprego. Diante dessa situação, o que nós, como igreja, podemos fazer?

Em seu livro O cristão em uma sociedade não cristã, John Stott afirma que o engajamento das igrejas nas dinâmicas e mazelas globais não se limita somente à oração, mas a uma participação ativa e contundente, com a mesma urgência da proclamação do Reino. Uma perspectiva realmente interessante que pode nos estimular à ação frente à atual contingência.

Para incentivá-lo a refletir sobre o assunto, compartilhamos, a seguir, um trecho de O cristão em uma sociedade não cristã, conteúdo gentilmente cedido pela Editora Thomas Nelson Brasil. Ao final, elaboramos algumas perguntas para estudo e reflexão. Desejamos que a leitura o inspire a ser um instrumento de transformação e socorro em meio àqueles que carecem de ajuda.

 Apoiando aqueles que procuram emprego

Por John Stott

Ajudar aqueles em busca de emprego a encontrar trabalho não deve ser tarefa delegada ao setor voluntário, mas a igreja pode contribuir muito. Candidatos a emprego têm diferentes necessidades, dependendo de sua formação, de sua competência e de suas habilidades. As necessidades de uma pessoa nascida no Reino Unido e com ensino superior são bem diferentes das de alguém que acabou de ingressar no país como refugiado; neste último caso, raramente se limitam a emprego.

Em geral, pessoas nessa situação precisarão de ajuda para encontrar moradia, para garantir que recebam os benefícios corretos e para se matricular em aulas de inglês, caso seja exigido. Em outros casos, elas precisarão de ajuda para preencher formulários ou participar de entrevistas. Algumas terão de receber conselhos para criar o próprio negócio.

A igreja tem muito a oferecer em todas essas áreas; aliás, diversas igrejas possuem projetos para atender a muitas dessas carências. Muitas delas tiveram suas estruturas adaptadas, e novas igrejas foram projetadas para serem multifuncionais, a fim de que grupos comunitários, encontros e sessões de aconselhamento financeiro possam ter nelas sua sede.

Depois, há toda a esfera de serviços comunitário, por meio da igreja local, de uma organização voluntária ou da iniciativa pessoal: visitar doentes, idosos ou prisioneiros; redecorar o lar de uma pessoa idosa; trabalhar com pessoas com deficiência mental ou física; cuidar de crianças; dar carona a outras crianças da escola; ensinar crianças com dificuldade de aprendizado ou família étnicas para as quais o inglês é uma segunda língua; ajudar no hospital, na escola ou na igreja local.

Pela Criação, a humanidade é criativa; não podemos descobrir a nós mesmos sem servir a Deus ou ao próximo; devemos ter um lugar para extravasar nossas energias criativas. Assim, se pessoas sem emprego não tiverem recursos para a gama de atividades que acabei de mencionar, e se eles não estiverem acessíveis em nenhum outro lugar na comunidade, a igreja não deveria fornecê-los? É impossível para igreja disponibilizar uma oficina (e as ferramentas), uma garagem ou um estúdio onde as pessoas possam aprender e praticar novas habilidades? E grande parte das igrejas locais desenvolver um programa muito mais amplo de serviço à comunidade local?

“Pela Criação, a humanidade é criativa; não podemos descobrir a nós mesmos sem servir a Deus ou ao próximo.” John Sott

Um número crescente de pessoas sem emprego, semiempregados e aposentados deverá ser encorajado a usar seu tempo livre de forma criativa. Em decorrência da automatização, como escreveu Marshall McLuhan, em 1964, “somos repentinamente ameaçados por uma libertação que sobrecarrega os nossos recursos interiores de emprego próprio e de participação imaginativa na sociedade”.

Trabalho é uma questão pessoal

Em primeiro lugar, […] trabalho é uma questão pessoal; são as atitudes que assumimos em relação ao nosso trabalho, o envolvimento com o nosso emprego e os resultados do nosso trabalho. É uma das principais maneiras de expressarmos nosso caráter cristão. O modo como trabalhamos indica que somos honestos, eficientes e confiáveis, e devemos tentar incorporar os mais altos padrões.

Muitas vezes, o trabalho apresenta às pessoas problemas éticos difíceis de resolver. É importante que nós, como cristãos, saibamos lidar com essas questões sem ceder ao status quo, e isso pode significar que teremos de arcar com o preço de agir com integridade no mundo do trabalho.

De qualquer forma, na maioria dos casos, empregadores desejam funcionários em que possam confiar, e empresas transparentes e confiáveis percebem, em geral, que prosperam à medida que sua reputação cresce. Nunca devemos esquecer que o trabalho é uma expressão do caráter cristão, nem devemos dar motivo para que as pessoas sejam sarcásticas a respeito da fé cristã, tendo em vista que existe um abismo entre aquilo que falamos e aquilo que fazemos.

Em segundo lugar, uma das reações ao advento da automatização é a tendência à personalização do trabalho. Vivemos na era do trabalho flexível do prestador de serviços que tenta controlar o que todos estão fazendo a qualquer custo. Aqui, estamos lidando com a expressão última do trabalho pessoal, e precisamos lembrar que o trabalho não é apenas uma expressão moral, mas também uma questão emocional.

Aqueles, por exemplo, que trabalham em casa, podem descobrir rapidamente que sentem falta de companhia, pois somos seres sociais e não somos criados para o isolamento. Quando trabalhamos sozinhos, pode ser difícil também, manter o equilíbrio entre trabalhar demais e não ser disciplinado o bastante. Ao avaliarmos o trabalho, portanto, devemos estar cientes do seu impacto sobre as pessoas, não só pensando em novas tecnologias, mas também nas condições de trabalho potencialmente isoladoras.

Qualquer que seja o cenário em que trabalhamos, precisamos encorajar-nos uns aos outros a trabalhar com integridade, contribuir para o bem-estar de outros e fazer tudo para glória de Deus.

Stott, Jonh. O cristão em uma sociedade não cristã: como posicionar-se biblicamente diante dos desafios contemporâneos / Jonh Stott ; tradução de Markus Hediger. – Rio de Janeiro : Tomas Nelson, 2019. Pags. 273 a 275. Publicado no blogue da Sepal com autorização de Editora Thomas Nelson Brasil.

Perguntas para reflexão:

“O impacto criativo da igreja frente ao desemprego”

  • O autor diz que o governo pode até apoiar os serviços voluntários a favor da comunidade, porém nunca deve se eximir de sua responsabilidade de auxílio social. Por outro lado, a igreja deve e pode ser uma alternativa para que pessoas desempregadas desenvolvam novas habilidades e se empenhem em atividades benéficas a si e à sociedade. Considerando a realidade brasileira, como governo e igreja deveriam se unir na busca de soluções criativas para mitigar os danos do desemprego?
  • Com base na questão social descrita acima, como a igreja pode contribuir para apoiar aqueles que procuram emprego ou precisam de capacitação para voltar ao mercado de trabalho?
  • Sabendo que a igreja tem um forte papel na ajuda social, como devemos agir frente ao novo cenário de pandemia que comprometeu nitidamente as empresas e a disponibilidade de emprego? O que você e os membros de sua igreja podem fazer?
  • “Somos seres sociais e não somos criados para o isolamento”. Num contexto de isolamento social, em que devemos ficar reclusos por questões de segurança, como a igreja pode utilizar as ferramentas on-line para oferecer apoio àqueles que sentem os impactos emocionais de uma conjuntura como a atual? Nesse sentido, você teria algum insight criativo de iniciativa a distância? Qual?

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