Desistência de alunos, perda de professores e mudanças no currículo. Isso é um pouco do que seminários teológicos passaram desde 2020. Sem falar na adaptação para as plataformas virtuais que foram obrigatórias para a continuidade das aulas e sobrevivência das instituições. Podemos afirmar que esses impactos provocados pela pandemia afetam de forma significativa na formação de futuros pastores e missionários.
Os seminários possuem um papel importante para a Igreja e o cumprimento da missão. Essas instituições capacitam e formam boa parte dos pastores, líderes e missionários que se empenham em ministérios de evangelização, discipulado e plantação de igrejas, do norte ao sul do Brasil, em grandes cidades ou em lugares remotos entre povos isolados.
Muito da prática pastoral e missionária é delineada pelo tipo de formação recebida nos seminários. Isso mostra a necessidade de uma formação teológica e missiológica consistente para que pastores, missionários e líderes cristãos em geral tenham as ferramentas adequadas para desenvolverem suas vocações, servindo à Igreja em um mundo cheio de desafios e mudanças constantes.
Para compreender um pouco mais as mudanças provocadas pela pandemia nos seminários e, consequentemente, na formação de novos pastores e missionários, conversamos com Dilean Melo, reitor do Seminário Teológico Batista do Litoral (STBL), e Eliane Ho e Ziel Machado, da direção do Seminário Teológico Servo de Cristo. Eles falaram sobre as adaptações das aulas e dos currículos, as perdas de alunos, a criação de novos cursos e como os seminários se posicionam diante dos desafios que a pandemia impõe a longo prazo. Confira a entrevista.
Como as atividades do seminário foram impactadas pela pandemia?
Dilean Melo – Desde março de 2020, as aulas presenciais foram canceladas por causa da pandemia. Ficamos parados por uma semana, para adaptação das aulas virtuais. Como o STBL já possuía plataforma online para nosso curso EAD, foi um processo rápido de inserir os alunos do curso presencial no sistema online. Porém, nem tudo se resume a estar na frente do computador, mesmo com o professor ao vivo transmitindo as informações. Há matérias que, ao nosso entender, foram bastante prejudicadas, como as matérias de línguas bíblicas e homilética, onde o professor avalia o aluno como um todo enquanto está pregando, observando postura, entonação de voz, etc. Nosso curso de música também foi muito impactado pelo online, pois aulas como canto, coral, prática de banda, etc, se tornaram verdadeiros obstáculos em formato virtual. Somado a essas questões, os alunos ficaram sem acesso a biblioteca do STBL, o que prejudicou seus trabalhos de pesquisa. Professores que estavam acostumados a lecionar presencialmente também enfrentaram várias adversidades, tanto na condução da aula, em adaptar conteúdo, como também com equipamentos necessários para a aula. Computadores um pouco antigos, sem um bom processador, internet com velocidade baixa entre outros fatores desafiaram a continuidade das matérias. Outra área muito prejudicada foi o estágio prático dos alunos. Muitas igrejas totalmente fechadas, funcionando somente uma única celebração por semana, sem as escolas dominicais, trabalhos com adolescentes ou crianças.
Eliane Ho e Ziel Machado – Tomamos as seguintes ações para nos adaptarmos ao novo contexto: migramos todas as aulas para o online no Zoom, usando todos os recursos que ele oferece como gravação, divisão de grupos, projeção de tela e vídeos e deu bastante certo; alguns programas novos que seriam lançados, foram adiados para melhor organização e adaptação; criamos cursos exclusivamente na modalidade online (MABL e os de missões); entrevistas, acompanhamentos de alunos, reuniões com alunos e professores foram todas feitas de forma online, via Zoom; a equipe interna trabalhou a maior parte do tempo em formato home office, agora trabalham alternadamente e presencialmente uma vez por semana; na biblioteca, o acesso ao acervo se deu somente de forma online e sem contato direto com os funcionários; investimos em organização do sistema interno e site, gravações de podcast de forma online; o momento de Capela transformou-se em virtual, com gravações de mensagens devocionais toda semana e espaço para compartilhamento de orações dentro da plataforma Edmodo; mantivemos as Aulas Inaugurais, eventos de lançamentos de livro em forma online através de gravações ou transmissão ao vivo; incentivamos os alunos na oferta de cestas básicas para Ongs que trabalham com periferia e também organizamos um fundo de bolsas para ajudar alunos que tiveram dificuldade financeira por conta da pandemia.
Neste período, houve desistência de alunos, perda de professores, colaboradores ou alunos?
Dilean Melo – Sim, houve desistência. Alguns por não conseguirem se adaptar ao virtual, outros por não terem os equipamentos necessários (seja um computador bom ou celular ou mesmo internet que viabilizasse a aula on-line), outros por não conseguirem se concentrar, etc. O ambiente escolar é próprio para que o aluno tenha a melhor experiência possível durante sua aula. Em casa, nem sempre isso é possível. Alguns alunos tiveram que “dividir” o equipamento com outros membros da família que também estudavam ou trabalhavam; em outros casos o computador ficava em um cômodo que havia barulho e pessoas passando o tempo todo. Isso dificultou muito a atenção do aluno na aula. Também tivemos perda de alunos por questão da Covid-19, seja pela doença ou de forma indireta, por perda do trabalho, o que gerou impossibilidade de manter os pagamentos das mensalidades.
Eliane Ho e Ziel Machado – As desistências foram poucas. Na verdade, temos sempre um percentual pequeno de desistentes em todos os semestres e isso não alterou. O que aconteceu é que alguns alunos fizeram menos disciplinas do que o normal, por conta de dificuldade financeira e incerteza por causa da pandemia. Aumentamos o alcance com os cursos de forma online e por isso houve aumento de alunos de Estados e países diferentes, o que acabou equilibrando: mais alunos que fazem menos disciplinas. Professores, funcionários e alunos que contraíram o Covid se recuperaram, graças a Deus. Então, o que aconteceu foram afastamentos temporários que tivemos que manejar. No entanto, tivemos muitas notícias de perdas de parentes e familiares de alunos. As igrejas que apoiam financeiramente o Seminário tiveram dificuldades e por isso muitas ofertas foram, momentaneamente, suspensas.
Quanto ao programa curricular, o seminário pretende fazer algum ajuste por conta dos desafios que surgiram na sociedade?
Dilean Melo – Já estamos em um currículo adaptado desde o segundo semestre de 2020. Mantivemos a grade normal no primeiro semestre, pois a pandemia chegou enquanto os alunos já estavam cursando suas matérias. Porém, para o segundo semestre ela foi totalmente refeita. Priorizamos matérias que poderiam ser dadas sem maiores dificuldades online e deixamos as que exigem elementos práticos na sala de aula um pouco mais para frente. Este ano, com formato híbrido, tendo somente uma turma por dia no STBL para aulas presenciais, estamos conseguindo repor as aulas.
Eliane Ho e Ziel Machado – Sim, muitas coisas precisarão ser ajustadas daqui para frente. Em termos de programa curricular, teremos que pensar em formas de continuar atendendo o público presencial e online (para os que estão longe). Isso tem grandes implicações, tanto em termo de estrutura (equipamentos) quanto didática, treinamento de professores e equipe etc. Pensando nos nativos digitais, estamos organizando parcerias nesse sentido, algo que antes estava longe dos nossos pensamentos.
Qual a sua percepção acerca da pandemia e suas consequências no contexto da prática pastoral e missionária?
Dilean Melo – A pandemia trouxe uma situação totalmente nova para todos. Famílias e igrejas que tem perdido entes queridos e dos quais o pastor está impedido de estar presente, chorar junto e consolar. Que grande desafio! Creio que as igrejas estão se reinventando com o online, porém, isso pode gerar um grupo de cristãos que não se moldam uns aos outros, não vivem em comunhão ou que se acomodem em suas casas e não trabalhem em prol do próximo. Em relação a prática missionária a pandemia trouxe grandes desafios. Desde as viagens missionárias que eram comuns e foram impossibilitadas. O STBL faz anualmente uma viagem para Parintins, em parceria com a Primeira Igreja Batista de Parintins onde levamos nossos alunos para conhecer a realidade ribeirinha e experimentar a vivência missionária. 2020 e 2021 fomos impedidos de realizarmos essa vivência e aprendizado. Creio que com isso muitos locais estão ficando cada vez mais isolados. Conheço missionários que estão prontos para ir, mas impossibilitados ainda por vários motivos, como vacina, abertura de fronteiras. etc.
Eliane Ho e Ziel Machado – A prática pastoral e missionária precisou redefinir o conceito de presença ministerial. No contexto do isolamento físico está sendo necessário recuperar a percepção que vemos presente no primeiro século da igreja, quando os apóstolos eram chamados a cuidar da igreja no contexto de isolamento (provocadas pelas prisões) como vemos em Colossenses 2. 5 “Porque, embora esteja fisicamente ausente, estou presente com vocês em espírito, e alegro-me em ver como estão vivendo em ordem e como está firme a fé que vocês têm em Cristo”. Temos aqui um duplo desafio, aprender a estar presente em espírito e, ao invés de cartas, aprender a usar as mídias sociais e novas tecnologias para o contato pastoral. Outro desafio tem sido lidar com as condições de desigualdade social, o que faz com que a pandemia seja vivida de forma completamente diferente por cada pessoa.
O que o contexto traz de novo e que precisa ser considerado na formação de novos pastores e missionários?
Dilean Melo – O contexto atual abre uma nova realidade. Falamos muito sobre as dificuldades. Por outro lado, com a internet temos acesso ao mundo todo, abrindo os horizontes de investimento e alcance para nossas igrejas. Creio que isso precisa ser enfatizado e demonstrado para nossos alunos. A IBNU (Igreja Batista Nações Unidas) a qual faço parte, está oferecendo um curso específico sobre isso em seu canal do YouTube, com nosso pastor Jônatas Hübner. A formação de pastores e missionários precisa sempre ser adequada à realidade, fazendo uma boa análise antropológica. Estamos diante desse desafio agora. Precisamos olhar para frente e ver como nossa grade curricular vai proporcionar para nossos alunos, futuros pastores e missionários, uma visão abrangente e desafiadora para essa “nova realidade”.
Eliane Ho e Ziel Machado – Reconceituar o significado da presença pastoral; capacitar para a utilização de novas tecnologias de acesso e contato; desenvolver uma profunda sensibilidade as novas faces da desigualdade social; revisar os fundamentos dos vínculos pessoais nas relações entre os membros da igreja; revisar, e aprender, dos modelos de atuação pastoral da igreja nas pandemias passadas.
Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.