No final da década de 90, surgiu no movimento missionário global a expressão business as mission (BAM) – expressão que em português significa “negócios como missão”. Samara Brandão explica que até então a expressão era desconhecida, mas se referia a um número pequeno, porém crescente, de empresários cristãos que estavam usando os negócios para fazer diferença ao redor do mundo.
O missiólogo sueco Mats Tunehag foi um dos pioneiros a usar e tornar conhecido o conceito BAM – negócios como missão. Outras terminologias também são usadas, tais como missão empresarial, negócios transformacionais, (transformational business), empresas da grande comissão (great comission companies) e negócios do Reino (kingdom business). Para efeito de melhor comunicação, usaremos no decorrer deste artigo o termo negócios como missão e missão empresarial, de forma intercambiáveis, tendo em vista que são os dois termos mais utilizados na literatura do movimento missionário brasileiro.
Em 2004, no Fórum do Movimento Lausanne, na Tailândia, empresários, economistas, professores, missionários e pastores se reuniram para dialogar a respeito do conceito de BAM. Neste encontro foi redigido o documento Lausanne Occasional Paper on Business as Mission[i], que definiu negócios como missão como: “Empreendimentos rentáveis e sustentáveis; intencionais sobre os propósitos e impacto do reino de Deus sobre as pessoas e nações; focados na transformação integral e resultados múltiplos econômicos, sociais, ambientais e espirituais; focados nos povos mais pobres e menos evangelizados do mundo”[ii].
A missão empresarial e a Grande Comissão
Editado por editado por Mats Tunehag, Wayne McGee e Josie Plummer, Lausanne Occasional Paper on Business as Mission aborda de forma clara e consistente as questões relacionadas à missão empresarial, bem como seu potencial redentor dentro da Grande Comissão. O documento afirma que “Missão empresarial é uma resposta ao mesmo tempo ao mandato de mordomia da criação e ao mandado da grande comissão a todos os povos. É uma resposta às imensas necessidades espirituais e físicas do mundo”. Resumimos a seguir cinco pontos do potencial redentor da missão empresarial.
- A missão empresarial restaura a dignidade e capacita, criando empregos, estabelecendo relacionamentos justos e imparciais. Deus não quis que nada da sua criação estivesse ocioso (desempregado) e improdutivo. Não poder trabalhar, não ser criativo e não poder sustentar a si mesmo nem ajudar a família gera a perda de dignidade como ser humano. Empresas que geram empregos fazem parte do plano e processo redentor de Deus. Todavia, emprego não deve ser o único objetivo. É preciso capacitar as pessoas por meio de treinamento, mentoria, desenvolvimento pessoal e posses, de modo que possam melhorar a si mesmas, as suas comunidades e sociedades, e, por sua vez, gerando melhores empregos e a criação de negócios próprios.
- A missão empresarial facilita que se vá “a todos os povos”. Os cristãos são bem-vindos mesmo em comunidades ou países hostis ou fechados quando trazem a perspectiva de fazer negócios e trazer proveito econômico. Isso precisa ser feito de modo honesto, não como mera estratégia para desempenhar o “verdadeiro ministério espiritual” ou como cobertura escusa para evangelização ilegal. Ao serem sal, luz e embaixadores das bênçãos de Cristo por meio da atividade empresarial e do seu impacto positivo na sociedade, os empresários cristãos acabarão levando as pessoas a buscar a Deus.
- A missão empresarial fornece o contexto para o discipulado. Uma empresa gira em torno de relacionamentos: empregadores e empregados, vendedores e compradores, produtores e consumidores, fornecedores e distribuidores. Isso cria toda uma arena onde aqueles que conhecem a Cristo podem compartilhar sua fé e testemunhar àqueles que não o conhecem. Os cristãos, no mundo dos negócios, tornam-se “sal e luz” para outras pessoas em seu lugar de trabalho, já que fazer discípulos começa com a demonstração dos caminhos de Deus no âmbito dos relacionamentos cotidianos.
- A missão empresarial pode promover paz e comunidade. As empresas contribuem para a sociedade de três maneiras distintas: por meio das suas atividades de produção, por meio das suas atividades de investimento na comunidade ou na sociedade, e por meio da sua participação na discussão de políticas públicas. O empenho em qualquer uma das três pode contribuir para a estabilidade da comunidade e a prevenção de conflitos. A empresa pode igualmente promover paz e comunidade fazendo empregados de origens diferentes trabalhar juntos para um propósito comum.
- A missão empresarial pode fortalecer a igreja. Quanto mais as pessoas se dedicarem a trabalho produtivo, mais a igreja local é fortalecida para fazer seu trabalho. Renda e capacidade organizacional maiores permitem que a igreja amplie seu papel e incremente sua relevância e impacto, na comunidade e globalmente. Crentes que vivem na pobreza ou em regiões de desemprego endêmico precisam especialmente de empresas. De outra forma, ficam excluídos de oportunidade econômicas e sociais, trazendo poucas ou nenhuma boa nova a sociedades que já são frias ou hostis em relação à fé cristã.
Oportunidades e exemplos práticos
Na visão de Paulo Feniman, presidente da Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), o movimento de negócios como missão é um dos que mais crescem no mundo, uma vez que em alguns lugares, por exemplo, tem sido cada vez mais difícil a concessão de visto para missionários. Neste lugares, em que há povos e grupos que ainda carecem do Evangelho, a missão empresarial pode ser extremamente eficiente comparada ao modelo de trabalho missionário tradicional.[iii]
João Mordomo, entusiasta e pioneiro do BAM no Brasil, afirma: “Quanto mais tempo gasto estudando a Escritura, pesquisando, planejando, elaborando estratégias, orando, mais convencido fico de que o modelo ‘empresas a serviço de missões’ irá servir bem à igreja brasileira e a outras igrejas emergentes no século 21, mobilizando-as para um ministério de fronteiras holístico, efetivo e que agrade a Deus”.
E na prática, negócios como missão funcionam de verdade? No e-book BAM – Negócios como Missão[iv], a autora, Samara Brandão, compartilha a sua experiência. Ela conta: “Fui para a África do Sul, trabalhar em uma ONG cristã dedicada a ajudar empreendedores locais com baixa renda. Ajudamos empreendedores na gestão de seus negócios, em um contexto desafiador, onde se empreendia por necessidade. Nessa experiência incrível, vimos que o empreendedorismo afetou não só a realidade familiar de cada empreendedor, mas também teve um papel essencial na economia local. Empregos foram gerados, possibilitando a prosperidade da comunidade.”
No Norte da África, a família Ribeiro, missionários da SEPAL, conta como o empreendedorismo criou a oportunidade de fazer missões em um país perseguido e potencializar sua influência entre os muçulmanos da região. Aconteceu quando já tinham ultrapassado vários desafios, como a adaptação cultural, a aprendizagem dos idiomas e todas as demais providências para se estabelecerem como família na região. No primeiro ano, precisavam sair do país a cada três meses para renovar o visto, mas a tensão que viviam era tão grande, já que não havia permissão legal para entrarem novamente no pais. Após algum tempo, os missionários conseguiram os vistos de empreendedores, o que significa uma grande porta para as diversas relações na sociedade em que vivem. Sobre essa experiência, o missionário E. Ribeiro conta que, certa vez, foi indagado por um comerciante muçulmano com a seguinte pergunta: “Que tipo de cristão é você?”. E ficou surpreso com o que o comerciante acrescentou: “Eu lhe observo constantemente. Vejo a maneira como você se relaciona com as pessoas aqui, quando realiza suas compras, e de que forma trata sua esposa e filhas. Vejo até a maneira como utiliza seu dinheiro”. A partir deste diálogo o missionário teve diversas oportunidades para compartilhar o Evangelho com o comerciante muçulmano. Esta e tantas outras experiências entre os muçulmanos, demonstram o potencial que empreender oferece para iniciar conversas a respeito de Cristo em um país de maioria islâmica (leia mais, aqui).
Um restaurante compartilhado onde refugiados e imigrantes com habilidades culinárias podem preparar e vender as comidas típicas de seus países de origem. Este é o Open Taste, um restaurante que beneficia famílias e funciona uma vez por semana, em um espaço alugado, em São Paulo. Joanna Ibrahim, refugiada síria que vive no Brasil e idealizadora do projeto, explicou que a proposta é fornecer aos chefes de cozinha refugiados a infraestrutura, gestão e marketing, em contrapartida eles oferecem seus pratos carregados de sabor, histórias e cultura. Geraldo Milet, parceiro de Joana no projeto, afirma: “Isso tem tudo a ver com missão. Nós somos os Business as Mission (Negócios como Missão). Somos o sal da terra e luz do mundo para aqueles que talvez nunca tiveram contato com um cristão na vida”. (leia mais, aqui)
Embora para muitos ainda seja algo desconhecido, negócios como missão é uma expressão plena e válida da missão do corpo de Cristo aos confins da terra. Cristãos com talento empresarial são convocados para investir suas posses e capacidades no reino de Deus, dando a si mesmos, sua experiência, seu conhecimento, sua perspicácia organizacional etc., para estabelecer o reino de Deus. Edificar o Reino significa gerar riquezas e transformação espiritual. Portanto, como afirma o documento de Lausanne sobre BAM: “Chamamos à Igreja de todo o mundo para identificar, afirmar, orar, comissionar e liberar empresários e empreendedores para exercitar seus dons e chamado como empresários para o mundo – entre todos os povos e para os confins da terra”.
Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.
Para se aprofundar no assunto, confira as dicas que selecionamos
Missão Empresarial: Abrindo a Porta para a Igreja Brasileira, Empresas e Empresários em Missões Pioneiras, por João Mordomo e CCI-Brasil (E-book gratuito. Acesse aqui)
BAM: Negócios Como Missão, por Samara Brandão (E-book gratuito. Acesse aqui)
O Pobre e a Criação de Riqueza, por Martureo (E-book gratuito. Acesse aqui)
Deus se interessa por Negócios (E-book gratuito. Acesse aqui)
[i] Lausanne Occasional Paper on Business as Mission
[ii] Movimento Lausanne – Negócios como Missão
[iii] Vida e trabalho em missão
[iv] BAM – Negócios como Missão