Recordo que em minhas aulas no seminário tive um professor que tinha grande convicção que se a mulher cristã não usasse véu, deveria ter seu cabelo comprido para expressar sua submissão ao esposo. Solteira, recrutava que primeiro não tinha esposo, segundo não comprava muito essa idéia de submissão como era pregada, e para mim ter o cabelo longo naquela época, longe das escovas progressivas de hoje, teria meu cabelo crescendo para os lados e para cima, não para baixo como das minhas colegas de classe. Já naquela época sentia que minha etnicidade tropeçava vez e outra em interpretações culturais da Bíblia, aonde a minha origem sócio-cultural não era levada em conta. A contextualização bíblica estava fora de questão. Certamente que o pixaim é uma marca da minha identidade; mesmo que ele fique liso e sedoso com mil cremes, ainda ele é pixaim e marca junto com outros critérios o grupo a que pertenço: do negro brasileiro, ou afro-brasileiro para ser politicamente correto.
Uma vez que somos que todos iguais perante Deus na prática a criança negra aprende cedo que ela não é linda como aquela criança com olhos claros. Como jovem raramente é cogitado nos namoros entre os amigos. A identidade da raça sempre encontra barreira para se afirmar como positiva, bonita e inteligente devido a falta de conhecimento da sua história da parte próprio negro evangélico e de seus líderes, mais do que má vontade da parte de ambos.
Parte da solução foi apontada pelo Pastor Albert Silva, fundador do MIAD- Ministério Internacional Afrodescendente no Brasil e Coordenador da Comissão Negritude Socialista Brasileira – NBS – do Estado de São Paulo. Ele em palestra no II Seminário Negritude & Fé, maio 2011, em São Paulo, expressou que ¨O negro não se assume a partir das suas necessidades. A igreja é a ferramenta que nos legitima para a conquista na terra e a política nos habilita implementar leis mais justas no Estado. …Ações afirmativas, que é o acréscimo de oportunidades que aumentam a inclusão social. Proposta que levam o sujeito a ser inserido no processo da distribuição de riquezas e políticas públicas. Devemos pregar a Palavra de Deus. Por ela obtemos fé, visão, determinação e investimento. Portanto, estamos habilitando a pessoa afro-descentende a lograr resultados em seu posicionamento como servos e servas de Deus. ¨ O pastor Silva desafia os líderes das igrejas em sua pregação da Palavra a ampliar a visão desse elemento negro, membro da sua congregação, pois no afã de adquirir uma identidade como discípulo de Cristo, suas origens não são levadas em conta, muitas vezes até discriminadas pela congregação. O espelho pessoal e da sociedade está sempre lhe dizendo quem ele é marcando-o com o preconceito constante. A responsabilidade da igreja, portanto é de lhe dar uma visão que o insira como discípulo de Cristo em uma sociedade preconceituosa e a posicionar-se como igual com base na verdade de ser feito à imagem de Deus. Esse caminho na igreja passa pela definição de identidade do membro afro-descendente em sua convivência com os demais membros.
Mário Sergio Cortella faz a pergunta chave em seu livro com Yves de La Taille, Nos labirintos da Moral (Papirus) ¨Como ter a idéia de coletividade se a pessoa não identifica á qual ela pertence?¨ Portanto, a igreja define parte dessa identidade na formação do indivíduo. O ensino da Palavra de Deus não deve ignorar quem eu sou, minhas raízes, minha cor de pele, meu pixaim. Sabemos que é difícil sair do eurocentrismo e deslocar o eixo para a comunidade afro-descentende no bairro, na igreja e pregar a Palavra de forma a oferecer ferramentas que permitam ao negro se inserir na sociedade como uma pessoa segura no amor de Deus e que conquiste mais e mais seus direito e oportunidades de ascensão.
Nesse mes que se celebra o 13 de Maio o desafio é que o púlpito dê espaço a celebração dessa data na igreja e que ela não passe despercebida ou ignorada, pois é dessa forma que sempre somos tratados, como se fossemos invisíveis.