Em seu livro “O cristão em uma sociedade não cristã”, John Stott, um dos maiores expoentes do cristianismo do século 20, fala sobre a importância do engajamento social da igreja

Por John Stott em O cristão em uma sociedade não cristã

(Editora Thomas Nelson Brasil)

Nosso mundo em transformação: O envolvimento cristão é necessário?

No início do século 21, enfrentamos um conjunto desconcertante de desafios que, cinquenta anos atrás, jamais teríamos imaginado. De um lado, a velocidade das mudanças tecnológicas confirmou a esperteza da humanidade; de outro, a persistência da pobreza global permanece um desafio ao nosso senso de justiça. Somos cada vez mais interdependentes em escala global, e as oportunidades comerciais abundam, mas com pouco senso de propósito.

As consequências não intencionais das nossas ações causaram problemas ambientais que ameaçam seriamente o nosso futuro conjunto. Mesmo que a ameaça de uma guerra nuclear tenha diminuído, precisamos aprender a lidar com a ascensão do terrorismo global, com o advento do terrorista suicida e com a ressurgência da violência inspirada religiosamente.

A falência da família, principalmente no Ocidente, impôs um fardo pesado a pais e mães solteiros, ameaçou a coesão da comunidade e, em muitos casos, levou a um senso de alienação entre os jovens. Estamos confusos sobre a natureza da identidade humana, e essa confusão se mostra na destruição de vida por meio do aborto e da eutanásia e na nossa intenção de criar por meio da genética e da clonagem.

“Estamos confusos sobre a natureza da identidade humana, e essa confusão se mostra na destruição de vida por meio do aborto e da eutanásia e na nossa intenção de criar por meio da genética e da clonagem.”

Por que se envolver nesse tipo de mundo? É extraordinário que precisemos fazer essa pergunta e que a controvérsia sobre a relação entre o evangelismo e a responsabilidade social tenha explodido. Todas essas questões, e muitas outras, afetam cristãos e pessoas sem fé religiosa. Elas desafiam nosso senso de identidade e nosso propósito. Elas nos desafiam a aplicar o pensamento cristão a novas questões que nos sobrevêm num ritmo acelerado. […]

Infelizmente, alguns ainda acreditam que os cristãos não têm responsabilidade social neste mundo, mas apenas a comissão de evangelizar aqueles que não ouviram o evangelho. No entanto, é evidente que, em seu ministério público, Jesus “foi […] ensinando […] pregando” (Mateus 4:23; 9:35) e “fazendo o bem e curando” (Atos 10:38). […]

Nosso Deus é amoroso e perdoa aqueles que se voltam para ele em arrependimento, mas é também um Deus que deseja justiça e pede que nós, como seu povo, não só vivamos de forma justa, mas defendamos a causa dos pobres e impotentes.

Por que os cristãos deveriam envolver-se? No fim, existem apenas duas posturas que os cristãos podem adotar em relação ao mundo. Uma é a fuga; a outra, o envolvimento. (Você poderia dizer que existe uma terceira opção, a acomodação. Mas isso significa que os cristãos se tornariam indistinguíveis do mundo e que não seriam mais capazes de desenvolver uma postura distintiva em relação a ele. Eles se tornariam, simplesmente, parte dele.)

“No fim, existem apenas duas posturas que os cristãos podem adotar em relação ao mundo. Uma é a fuga; a outra, o envolvimento.”

“Fuga” significa voltar nossas costas para o mundo em rejeição, lavar nossas mãos em inocência (apenas para descobrir com Pôncio Pilatos que a responsabilidade não sai com a lavagem) e endurecer nosso coração contra os gritos agonizados de socorro. “Envolvimento”, por sua vez, significa voltar nossos rostos para o mundo com compaixão, sujar as nossas mãos, desgastadas e rasgadas em seu serviço, e sentir dentro de nós a comoção do amor de Deus que não pode ser contido.

Muitos de nós, evangélicos, fomos, ou talvez ainda sejamos, escapistas irresponsáveis. Comunhão uns com os outros na igreja é muito mais agradável do que o serviço num ambiente apático e até mesmo hostil no lado de fora. É claro, lançamos ataques evangelísticos ocasionais no território inimigo (essa é nossa especialidade evangélica), mas depois recuamos novamente pelo fosso para o interior do nosso castelo cristão (a segurança da nossa própria comunhão evangélica), levantamos a ponte e até fechamos nossos ouvidos aos gritos daqueles que batem à porta.

Quanto à atividade social, tendemos a dizer que é, em grande parte, tempo perdido em vista do retorno iminente do Senhor. Afinal de contas, quando a casa está em chamas, que sentido faz pendurar cortinas novas e reorganizar os móveis? A única coisa que importa é resgatar os que estão perecendo. Assim temos tentado salvar nossa consciência com uma teologia falsa. •

Fique por dentro!

O texto que você acaba de ler foi extraído o livro O cristão em uma sociedade não cristã: Como posicionar-se biblicamente diante dos desafios contemporâneos, escrito por John Stott (Editora Thomas Nelson Brasil). Na obra, John, um dos maiores expoentes do cristianismo do século 20, convoca os leitores ao pensamento crítico e ao engajamento a partir das verdades eternas contidas nas Escrituras Sagradas, mostrando como uma abordagem ampla e engajada do mundo que os cerca é tão urgente quanto a intercessão e a proclamação do Reino.