SÉRIE “COMO DISCERNIR NOSSO TEMPO”

A série “Como discernir nosso tempo” tem como proposta oferecer conteúdo que ajude a igreja a encarar o desafio de escutar e interpretar os sinais dos nossos dias. Queremos provocar pastores, líderes e cristãos em geral com questões atuais e relevantes, que podem possuir implicações para a missão da igreja, a pregação e vivência do evangelho.

Cada texto da série é um convite à reflexão e à ação. Um exercício de ouvir pessoas que pesquisam a respeito de determinados temas e, num segundo momento, processar, avaliar e filtrar. Entendemos a importância da reflexão, pois como diz John Stott “crer é também pensar”, ao mesmo tempo sabemos que não podemos parar na reflexão ou discurso, é fundamental colocar em prática. Claro, aquilo que se julgar útil e adequado à realidade das igrejas locais.

Valdir Steuernagel é um dos nossos primeiros convidados para conversar sobre como a igreja pode discernir nosso tempo. Steuernagel é pastor luterano com mestrado e PhD da Lutheran School of Theology em Chicago, USA. Exerceu ministério junto à Aliança Bíblica Universitária, Fraternidade Teológica Latino Americana e Visão Mundial. Publicou livros e artigos na área da missão da igreja e atualmente pastoreia a Comunidade do Redentor em Curitiba, Paraná.

Na entrevista que você lerá a seguir, Steuernagel destaca a importância do serviço como obediência, a necessidade de colocar-se no tempo “kairológico” e a centralidade do sacerdócio universal de todos os santos para que a igreja se lance no desafio de interpretar os sinais dos nossos dias. Ele afirma que “Na igreja há lugar para todos e nela todos são necessários, pois nela todos são sacerdotes”. Confira a entrevista.

Entre o pragmatismo e a busca por discernimento, onde você percebe que a igreja evangélica brasileira tende a se localizar?

Valdir Steuernagel – A fé cristã tem um jeito muito particular de “conhecer os tempos” e “colocar-se no tempo”, pois para isso ela é alimentada pela palavra que Deus sopra sobre àqueles que se sabem seu povo. Esta “palavra” transforma o nosso tempo – cronológico – num tempo oportuno – kairológico – no qual se vivencia a sua graça.

A igreja vive o contínuo desafio de colocar-se a serviço de Deus para transformar o nosso tempo; sempre marcado por encontros e desencontros, virtudes e vícios. Na vivência deste desafio a igreja tem encontrado caminhos que expressam cuidado, restauração e esperança, como visto no testemunho de milhares de comunidades de fé espalhadas pelo país. A igreja, no entanto, também vive a contínua tentação de buscar a aclamação, o reconhecimento e a capacidade influenciadora que tem a mera marca da nossa temporalidade, com suas mentiras e injustiças. Resistir e querer resistir a esta tentação tem sido uma de nossas vulnerabilidades, o que precisa se transformar em motivo de confissão.

O que devemos fazer para não cairmos no erro de ficar apenas no mundo das ideias e no discurso?

Valdir Steuernagel – A palavra chave para a igreja e seus membros é obediência – sempre com dimensões práticas, relacionais e históricas. Esta obediência precisa ser alimentada no seguimento a Jesus. Precisamos ouvir a ele e ser como ele: no cuidado com o outro, na prática da justiça, no anúncio do Reino de Deus e na construção de uma comunidade humana que tenha a marca deixada por Deus na própria criação.

A igreja marcada por caminhos de obediência a Jesus não pode ficar restrita ao “mundo das ideias”, mas precisa de uma reflexão que traga o evangelho para os caminhos da vida e pratique um discernimento que se expressa como adoração a Deus, serviço ao outro e uma vivência comunitária que dá testemunho de quem Deus é e o que ele espera de nós, como parte do seu povo.

Como os líderes poderiam trabalhar com os demais membros da comunidade, incluindo acadêmicos, pesquisadores e outros profissionais que atuam em outras áreas, para juntos fazerem a leitura da realidade?

Valdir Steuernagel – Há uma expressão oriunda da reforma protestante que aponta para o “sacerdócio geral de todos os santos” e nossa igreja precisa recuperar a prática desse sacerdócio. Nele não há hierarquia excludente e nem um monopólio clerical. Nele há uma comunidade de fé que exerce o seu ministério de forma comunitária e horizontalizada, no objetivo de considerar os outros acima e além de si mesmo, como expresso no evangelho (vide Fp 2.1-4).

Este tempo de pandemia nos mostrou que clericalizamos as nossas igrejas em demasia e que carecemos de um movimento no qual seja necessário que “líderes” desçam dos pedestais e a igreja volte a ser ministrada de forma comunitária. Uma forma na qual haja espaço para os diferentes dons, sempre expressos como serviço e não como privilégio.

A pandemia também nos mostrou que a complexidade do nosso tempo requer uma comunidade de fé na qual haja lugar para um discernimento ministerial que nasça de uma escuta às diferentes vocações com as quais Deus tem enriquecido e capacitado o seu povo. Na igreja há lugar para todos e nela todos são necessários, pois nela todos são sacerdotes.


Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.

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