Buscar entender os caminhos da missão em nosso tempo é um desafio constante e fundamental para a igreja. É um desafio constante porque a missão se contextualiza ao tempo e à história. A mensagem permanece a mesma, as boas novas do reino de Deus, mas os paradigmas, métodos e estratégias estão em constante mutações.

Para avaliar a saúde de suas comunidades, grande parte das igrejas usa três critérios: prédios, orçamentos e programas. Muitas igrejas se orgulham do seu espaço físico, do movimento financeiro e da quantidade de pessoas que participam de suas programações. Entretanto, essas métricas ficaram fragilizadas pela pandemia, já que os prédios foram fechados e ficaram vazios, o número de participantes online é um critério relativo e pouco confiável, além disso, as contribuições (dízimos e ofertas) ficam ameaçadas num país em que cresce o desemprego e economia ainda tenta se reerguer.

De um lado, este cenário colocou em cheque critérios que por muito tempo foram usados por diversas igrejas para aferir seus desempenhos, ao mesmo tempo é uma oportunidade para que pastores e líderes façam as perguntas sobre o que realmente importa e é essencial para a Igreja de Cristo. Neste sentido, Brett McCracken comenta que a pandemia corrói as bases da igreja consumista, poda os excessos do ativismo eclesiástico, derruba a noção de fé apenas aos domingos e desafia os cristãos a doarem e servirem sem a expectativa de receberem algo em troca.

É verdade que muitas igrejas já retornaram às suas atividades, quase que normalmente, como antes da pandemia, e baseando-se nas mesmas métricas do passado. Mas queremos chamar a atenção para três ações que pastores e líderes podem buscar, com discernimento, para entender o que o Espírito de Deus espera da Igreja em missão no mundo hoje. Estamos nos referindo a três verbos: arrepender-se, retornar e reimaginar. A sistematização a seguir é baseada neste artigo, escrito por Brian Upshaw, da Convenção Batista de Carolina do Norte.

Arrepender-se

Na percepção de Brian Upshaw, a pandemia seria uma ferramenta que Deus está usando para chamar a igreja a arrepender-se de depositar sua confiança em ídolos de medidas de sucesso. Upshaw comenta que há vários ídolos permeando a cultura da igreja evangélica. Existe o ídolo do evento que faz com que muitos compreendam a igreja como uma reunião no domingo ou eventos esporádicos, em vez de ver a igreja como o povo de Deus em missão no mundo. Há o ídolo do sucesso que faz com que líderes e pastores fiquem obcecados por uma alta frequência e crescimento institucional da igreja, em vez de focar em vidas transformadas pelo evangelho por meio do poder de Jesus Cristo. Existe também o ídolo do líder talentoso, que se mostra quando a igreja deposita sua confiança no carisma, habilidade ou talento do líder, comprometendo a doutrina do sacerdócio de todos os crentes. Há ainda o ídolo da ocupação que se mostra em igrejas com programas inflados de atividades, em vez de encorajar seus membros a amarem suas famílias e ao seu próximo na vida ordinária. Upshaw adverte: “Neste tempo, podemos ouvir a voz de Jesus, que chamou a igreja de Éfeso para se arrepender de perder seu primeiro amor e voltar às obras que fez no início (Apocalipse 2:5).”

Retornar

O chamado ao arrependimento é seguido por um convite para retornar à ideia original do que significa ser Igreja. Upshaw afirma que a igreja deve confiar na Bíblia para determinar esse significado. “Muito do que caracteriza as práticas da igreja de nossos dias não é visto na Bíblia. Estas podem não ser necessariamente coisas ruins, mas não são coisas bíblicas. Devemos perguntar qual é a essência de tudo o que Deus pretendeu que sejamos como um corpo”, comenta.

As Escrituras Sagradas apresentam um Deus que está em missão para Sua própria glória. É um Deus que envia. Ele enviou o próprio filho, Jesus, ao mundo para buscar e salvar os perdidos. O filho, por sua vez, envia seus discípulos na mesma missão (Jo. 20:21). A igreja, organizada para esta missão, deve refletir o que vemos no Novo Testamento. Neste sentido, Upshaw escreve: “Cada igreja local deve mergulhar no Novo Testamento para descobrir o que não é negociável do que significa ser uma igreja. Essas coisas – a essência da igreja – devem ser mantidas com firmeza”.

Reimaginar

Uma vez que igreja, bem como seus pastores e líderes, atende ao chamado ao arrependimento e ao retorno à essencialidade bíblica, surge o desafio de reimaginar. Afinal, não basta saber o que o Novo Testamento diz sobre ser Igreja, é necessário entender como aplicar os princípios em novas modalidades e em cada contexto.

Brian Upshaw destaca que ninguém sabe realmente como funcionará uma sociedade pós-coronavírus. Ele argumenta que uma igreja que pensa teologicamente sobre sua identidade, fundamentada nos princípios não negociáveis ​​do Novo Testamento, pode fundir tais fundamentos com inovação. “Isso exigirá líderes que tenham a coragem de abandonar sua fidelidade a seus paradigmas familiares e permitir que o Espírito santifique sua imaginação. Exigirá líderes que não estão satisfeitos com a implementação do plano passo a passo de outra pessoa, mas buscarão o Senhor para uma visão única e contextual”, afirma.

Enquanto lemos essa breve reflexão, a Europa revela-se como o mais novo epicentro da pandemia. A verdade é que a pandemia torna o futuro embaçado e difícil de fazer previsões. É um cenário desconhecido e desafiador que não permite com que a igreja permaneça ou volte a uma zona de conforto, baseando-se em critérios que não funcionam mais. Mas a história da Igreja mostra que em tempos difíceis, como da perseguição em Atos 4, os cristãos nunca buscaram uma normalidade. Uhshaw conclui: “Devemos reconhecer que esta pandemia levará a novas, embora incertas, oportunidades de fazer discípulos de maneiras diferentes. O certo é que Deus não mudou, nem Sua missão. O que Seu Espírito está dizendo à sua igreja e como você responderá?”


Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.