A fé cristã lida com questões bastante difíceis: A existência de Deus; o sentido da vida e da morte; a criação e organização do Universo; o final da história; a vitória do bem sobre o mal; o julgamento da humanidade e assim por diante. Neste momento, todos nós precisamos de um conjunto de ideias – uma declaração de valores compreensivos – e maneiras diferentes de explicar a fé cristã em tempos de profusão de respostas para essas questões. As escolhas, quanto à visão e aos valores a serem adotados, passam por dentro de nós. Os valores fazem parte da visão que você tem do seu mundo, abordando a própria questão do sentido da história humana e outras questões como: “De onde viemos, e quem somos? O que aconteceu de errado com o mundo? E o que podemos fazer para consertar isso tudo?
Podemos chamar de cosmovisão esse modo de olhar para a vida em termos de origem, propósito, limites da conduta apropriada, relacionamentos transcendentais e destino. Charles Colson e Nancy Pearcey a definem com clareza: “Ela é simplesmente a soma de todas as nossas crenças a respeito do mundo, o ‘quadro geral’ que dirige as nossas decisões e ações diárias”. A cosmovisão de uma pessoa responde às questões a respeito da natureza da realidade transcendental, do cosmos, da humanidade, a respeito de ética e moralidade, da morte [1].
A aceitação tradicional da cosmovisão cristã, de um Deus transcendente e da verdade moral é atualmente negada, debatida e rechaçada. Os seres humanos rejeitam autoridades globais e estabelecem-se autonomamente como legisladores do mundo. O homem tornou-se seu próprio deus e é encorajado a agir como tal. Antes uma prerrogativa essencialmente divina, agora eles alegam poder conceber a realidade e moldar a natureza da vida como bem entenderem. Existe, portanto, a necessidade de construir uma alternativa cristã mais bem articulada, para que possamos enfrentar as visões de mundo que impactam os valores na sociedade contemporânea, multicultural e pluralista onde vivemos.
Diante disso, somos desafiados a desenvolver uma hermenêutica cristã de mundo coerente com a mentalidade bíblica. O lembrete de David K. Naugle é apropriado: “Embora nunca haja um acordo perfeito entre a Bíblia e uma cosmovisão bíblica, todos os esforços devem ainda ser feitos para dar forma a uma perspectiva cristã do universo baseada nos ensinamentos das Escrituras”.[2] Uma verdadeira cosmovisão cristã deve sempre ser formada e reformada, moldada e testada pela Bíblia, como Palavra de Deus. Além disso, para que possamos viver uma perspectiva mais plena da fé cristã, sua visão de mundo deverá obedecer aos parâmetros bíblicos, concordando e submetendo-se às suas colunas fundamentais. Qual seria o conteúdo básico de uma saudável cosmovisão cristã?

  1. Há um mundo sobrenatural; o universo não consiste apenas da matéria, antimatéria e energia. Há um Deus pessoal e sobrenatural, que criou, ordenou, sustenta e reina com supremacia sobre todo o universo;
  2. Deus criou o ser humano, à sua própria imagem, para desfrutar de um relacionamento eterno com Ele, como filhos adotivos no seu Reino. Essa relação Deus–homem, de paternidade e reciprocidade entre Deus e o homem é a própria essência da fé cristã. Este é o fim principal do homem e o bem mais elevado que qualquer outro valor que a vida possa oferecer: glorificar a Deus.
  3. O ser humano, individual e coletivamente, abandonou este propósito, quebrando sua comunhão plena com Deus, em nome do mal. Assim, todo homem é pecador por natureza e por prática, e deve esperar a ira e a rejeição de Deus. Todo homem será julgado diretamente por Deus e deverá responder somente a Deus. Como afirma Lutero, “a queda do homem é a queda de fé”. A maioria dos religiosos modernos não concorda com isso e acha que iremos passar a eternidade com Deus simplesmente ao procurarmos praticar o bem. A salvação de Deus, contudo, não pode ser recebida pelos “moralmente superiores”, mas por todo aquele que admitir sua falha e reconhecer que precisa do Salvador.
  4. Em um ato de amor, misericórdia e graça, Deus interveio sobre a criação para restaurar esse relacionamento quebrado. Ele se encarnou, tornou-se homem, Jesus Cristo que, apesar de moralmente perfeito, sofreu injustamente acusações e foi executado por conta dos pecados do mundo, tomando sobre si a punição de toda a criação. No entanto, Ele ressuscitou e inaugurou seu reino eterno, restaurando a comunhão do ser humano e de toda a criação com Deus;
  5. A criação foi renovada (não apenas almas foram salvas) e a comunhão com Deus foi restaurada para todo aquele que crer em Cristo, na sua encarnação, morte substitutiva e ressurreição, se entregar e obedecer aos seus mandamentos. Deus chama seu povo para o discipulado radical, para seguir Jesus e viver seus valores em todas as áreas de sua vida.
  6. A igreja potencializa-se como interpretação e sinal do Reino de Deus neste mundo; ela é a esperança para a humanidade e aponta para o estabelecimento pleno do reinado de Cristo com o seu retorno, julgamento final e restauração da criação. O engajamento do cristão com os valores do Reino e sua vocação na sociedade traz coerência à sua fé.

Este é um modesto resumo, confesso. Ele tornou minha fé mais inteligível, ajudando a sistematizá-la com mais clareza, muitos anos depois de tornar-me cristão. Ainda que seus elementos fossem importantes e afetassem diretamente a maneira como eu concebia a humanidade, não me recordo deles terem sido claramente pregados nem apresentados na faculdade teológica onde estudei, nem nos modelos de discipulado e evangelismo que aprendi na igreja.
[1]. Charles Colson and Nancy Pearcey, How Now Shall We Live (Wheaton, Illinois: Tyndale House Publishers, Inc., 1999), 14.
[2]. David K. Naugle, Worldview: The History Of A Concept (Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 2002), p. 336.