A pandemia está deixando sequelas na saúde mental da população mundial. Ansiedade, depressão, raiva e problemas de sono são os sintomas psiquiátricos mais comuns entre os brasileiros, segundo uma pesquisa feita no Brasil [1]. Diferentemente do que alguns podem pensar, os cristãos não estão imunes a esses transtornos. Aliás, não são apenas dos transtornos da mente que os cristãos não estão blindados. Desemprego, morte, solidão, doença, fome, vícios e muitos outros problemas podem bater à porta de qualquer um, em qualquer momento.

Diante de tudo o que está ao nosso redor, o que fazer para manter a saúde mental? Como pastores e líderes podem ajudar os membros de suas comunidades de fé a cuidarem da mente e do coração? Claro que pastores e líderes têm limitações, haverá situações que precisarão indicar profissionais da área da psicologia, mas há muito que pode ser feito dentro das possibilidades de cuidado pastoral. Marcos de Araújo diz que “Ser pastor, cuidador de almas, é uma convocação divina para uma tarefa entre os homens. É uma missão sacerdotal, diferente da profética; pois o profeta confronta as pessoas nos seus erros, enquanto o sacerdote conforta as pessoas nos seus sofrimentos” [2].

O assunto é vasto e complexo, não pretendemos esgotá-lo, mas há alguns caminhos que podem auxiliar pastores e líderes a ajudar aqueles que os procuram pedindo socorro.

1. Reconhecendo a fragilidade humana

A caminhada cristã, em direção à maturidade, naturalmente passa pela cruzamento onde é preciso decidir entre reconhecer que somos frágeis, limitados, pó, ou confiar cegamente no cientificismo, em ideologias políticas ou qualquer outro sistema ou produto humano. Quando se escolhe a primeira opção, seguimos pela trilha que nos faz entrar em contato com nossas emoções e afetos, indo diariamente ao encontro de Jesus ansiando pelo toque que traz a redenção tanto de nossas emoções quanto de nossa mente.

Reconhecer nossa fragilidade passa pelo altar onde abandonamos a fé pagã, pregada por alguns, de que ser cristão nos imuniza dos males desta vida. Esse tipo de fé irresponsável faz muitos cristãos abdicarem de suas faculdades intelectuais, dadas pelo próprio criador, assumindo uma fé triunfalista, anticristã, que os leva a atos e comportamentos irresponsáveis, podendo comprometer a saúde do próprio corpo (templo do Espírito Santo), o bem-estar coletivo e ofender a Deus. Reconhecer a fragilidade humana é estender as mãos ao outro, acolher e ser acolhido. Negá-la é bater a mão no peito e sucumbir à solidão eminente da auto suficiência.

Karen Bomilcar explica que quando reconhecemos nossas fragilidades e confessamos nossas incapacidades e dependência, somos fortalecidos no poder de Deus e na identidade de filhos amados, desfrutando de alegria e paz. Ela acrescenta: “Confessar nossa fragilidade é sair do lugar de vítima e assumir minha responsabilidade […]. Deus deseja que sejamos sinceros, transparentes, nomeando a realidade para que, com humildade, possamos reconhecer dentro de nossas circunstâncias nossos pensamentos e emoções. Olhando para Ele, conseguimos olhar para nós mesmos com graça e somos fortalecidos para caminhar na direção do crescimento espiritual.” [3]

2. Administrando as perdas familiares

Uma das maiores dificuldades que enfrentamos como seres humanos é lidar com o sofrimento ligado à perda. Há duas verdades sobre isso: ninguém passa pela vida sem experimentar perdas e não há tipo de perda que Deus não possa consolar.

Deus é pai de misericórdia e consolador. Muitas vezes, não podemos entender a sua vontade, muito menos os seus caminhos. Nem sempre é possível compreender o que Deus faz. Mas podemos ter certeza do caráter dele. O apóstolo Paulo, “homem de dores que sabia sofrer”, apedrejado, náufrago, rejeitado pelo seu povo, sacudido pelas intempéries da vida, nos assegura que Deus é o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação.

Sobre este assunto, o terapeuta familiar, Carlos T. Grzybowski, argumenta que o aspecto consolador de Deus é tão inerente ao seu caráter que o Espírito Santo, quando estava para ser derramado sobre os apóstolos, foi chamado de “Consolador”. “Ainda que Deus permita muitas situações incompreensíveis nas nossas vidas, Ele não nos deixa sós e desamparados”, destaca Grzybowski [4].

Pastores e líderes precisam experimentar e ensinar os membros de suas comunidades a verdade de que a finalidade do consolo de Deus é para que consolemos a outros. Grzybowski afirma: “Precisamos crer no consolo de Deus em primeira mão. Isto significa crer que posso consolar porque eu fui consolado(a). Os que sofreram e foram consolados, foram também iniciados no ministério da consolação. Podemos nos identificar com o sofrimento do outro, porque sabemos aonde nos dói também. Ainda que a situação seja diferente, a dor é a mesma.”

3. O luto e a falta do rito da passagem

A Covid-19 já causou a morte de mais de 200 mil pessoas no Brasil. São mais de 200 mil famílias enlutadas, sem falar daquelas que perderam pessoas por outras doenças e situações diversas. Sem dúvida, desde março de 2020 o luto passou a ser um passageiro constante no vagão de nossas vidas. Para agravar o sofrimento de muitos, as condições da pandemia roubam os “adeus” e as despedidas, impedindo que os enlutados enterrem seus mortos.

A psicóloga Fatima Fontes explica que os ritos ajudam os humanos a atravessarem seus ciclos, a supressão “impede”, dentre outras coisas, a entrada no momento seguinte do ciclo da vida. “Essa falta de ‘rito de passagem’, adoece vidas em toda a sua integralidade: física, emocional, social e espiritual”, destaca Fontes. Ela sugere que é preciso aprender a viver um “novo rito”, onde o adeus seja dado pela memória, pelo acolhimento dessa “impossibilidade do adeus real”.

Fontes aponta alguns caminhos para lidar com a falta do rito de passagem. Segundo a psicóloga,  precisamos prantear muito, até que seque o nosso pranto e assim, possamos entrar no ciclo de vida seguinte; precisaremos aprender a ser “inaugurais”, nesse novo modo de viver a travessia do adeus e da morte. E como tudo o que é inaugural, precisaremos de muita autocompaixão e autoperseverança, repetindo ciclos de erros, acertos, desesperos, angústias… até que nos sintamos realmente, mais aliviados desse fardo imposto a cada um de nós. [5]

4. Manutenção permanente da esperança

Quando se encontram em situação de confinamento ou restrição de liberdade, as pessoas podem desenvolver padrões de violência e perder seus aspectos mais reflexivos e amigáveis – é uma forma de lutar por mais território, mais espaço. Privada de liberdade, qualquer pessoa pode se tornar revoltada, ressentida e amarga. Fátima Fontes diz que, em momentos de fragilidade, muitas pessoas:

“se põem a criticar, hostilizar, reclamar e desqualificar tudo e todos; são verdadeiras Delegacias de Polícias, fazendo boletins de ocorrência, permanentemente. Vigiam e punem, todos os erros, ou o que consideram erros, são muitas vezes sarcásticos, hostis, queixosas e em certos momentos muito, muito bravas com quem os rodeia.”

Deixar que essas emoções e atitudes dominem nosso comportamento não combina com aquilo que a Bíblia nos ensina. O desafio é nos sentirmos livres, apesar de estarmos “privados de liberdade”, nestes tempos de isolamento social. Para alcançar isso, Fátima Fontes sugere que precisamos convidar o jogo, o lúdico, a alegria, as disciplinas espirituais, a música, a arte, as atividades ligadas ao corpo. Acima de tudo, fazer manutenção permanente da esperança. Do ponto de vista de Fontes, a esperança é “emoção fundamental e que permite ao homem não ficar à deriva, visto que é uma âncora que o mantém seguro, apesar das tormentas do viver. A esperança, apesar de conter o medo e a insegurança, não se torna refém deles.” [6].

5. Pastoreando com amor e preparando as pessoas para a possibilidade da morte

Hernandes Dias Lopes diz que o pastor deve ser um erudito, conhecedor da Palavra, e que, para isso, precisa alimentar-se dela e estudar até à exaustão. Como bons mordomos, pastores precisam oferecer ao povo de Deus um cardápio apetitoso e balanceado – as insondáveis riquezas de Cristo – diz, Lopes. E tudo isso precisa ser regado com sabedoria e amor, não pela vaidade de parecer erudito. Hernandes afirma:

“Sabedoria é usar o conhecimento para os melhores fins. Precisamos tratar as ovelhas de Deus com ternura. Paulo diz que o pastor é como um Pai e também como uma Mãe. O pastor chora com os que choram e festeja com os que estão alegres. O pastor é trata cada ovelha de acordo com sua necessidade, com seu temperamento, com seu jeito peculiar de ser. Ele é dócil com as crianças como Jesus que as pegou no colo. Ele trata os da sua idade como irmãos e aos mais velhos como a pais. Uma coisa é amar a pregação, outra coisa é amar as pessoas para quem pregamos.” [7]

A pandemia tem colocado pastores e líderes cara a cara com o luto, com muita frequência. São momentos difíceis e delicados, mas para os quais os pastores precisam se preparar e preparar os membros de suas igrejas. O pastor Luiz Fernando dos Santos, diz que preparar os crentes para a possibilidade da morte, sem a temerem, é uma tarefa essencial. O pastor explica que isso inclui “ensinar a igreja a glorificar a Deus também nesse momento e através da dor. [8]


Por Phelipe Reis, jornalista e colaborador de conteúdo para a Sepal.

Notas