“Para uma igreja tornar-se saudável precisa investir tempo, estratégias e recursos no discipulado”

Pesquisas dos últimos anos que procuram avaliar o crescimento da igreja, têm trazido informações que a igreja evangélica brasileira experimentou um crescimento significativo nas décadas de oitenta e noventa.

Em 1970 a porcentagem de evangélicos no Brasil era 5,1%; em 1980 passou para 6,6%. Em 1990 estávamos por volta de 9,4%. Esse número subiu para 15,6% na última década segundo o censo de 2000. Estima-se que atualmente tenhamos chegado em 22,16% da população. Isso representa aproximadamente 42,5 milhões de brasileiros que se declaram evangélicos. Esse fenômeno tem se tornado notório quando paramos para observar o surgimento de programas evangélicos nas rádios e televisões por todo país; grandes astros do esporte, do mundo artístico e empresarial confessando publicamente sua fé; manifestações populares para chamar a atenção das autoridades e declarar o Senhorio de Jesus Cristo sobre a nação; e, obviamente, um indiscriminado número de novos pastores e igrejas que aparecem freqüentemente por todas as eqüinas.

Fenômeno ainda tímido

Esse fenômeno, embora ainda seja tímido quando comparado aos grandes avivamentos da história, foi o suficiente para despertar o interesse de políticos nos evangélicos em busca de um maior apoio para suas campanhas. Trouxe também um grande incômodo para a liderança do catolicismo, que na tentativa de reverter esse quadro, abriu mão de alguns dos seus paradigmas na celebração de missas, formação dos seus sacerdotes e a valorização de grandes encontros caracterizados por verdadeiros shows que atraem multidões de fiéis e marcam presença na mídia nacional. Após recente renúncia do papa, uma preocupação da igreja católica foi escolher alguém com o perfil para atender as demandas que tem surgido, entre elas, sem dúvida, o crescente exodo dentro do catolicismo.

Se essa realidade traz motivos para alegria e celebrações, por outro lado tem inspirado diversas preocupações. Para mim uma das principais tem sido a negligência da maioria dos pastores em selecionar, treinar, discipular, mentorear, pastorear sua liderança. Isso nos deixa vulneráveis, enfraquecidos, expostos a uma grande tragédia, porque são os líderes que ajudam o pastor no pastoreio do rebanho; são eles os responsáveis para auxiliar no cuidado, direção, capacitação dos santos, para que os mesmos estejam saudáveis e perfeitamente habilitados no desempenho dos seus dons e diversos ministérios (Ef 4:11-12). Portanto, a prioridade do ministério pastoral, em minha perspectiva, está em discipular com qualidade seus líderes. Isso deve ser a espinha dorçal da igreja.

Quando leio os evangelhos, vejo que foi assim com o Senhor Jesus Cristo. É fato que ele não negligenciou as multidões. Mateus 9:35 diz que Ele separou tempo para ministrar a Palavra, o ensino e libertação às multidões carentes que lhe procuravam. Esse foi o que podemos chamar de o  ministério público que o Senhor realizou com muita graça, e que muitos pastores também tem realizado, em proporção menor obviamente! Como resultado tem surgido um crescimento da igreja como temos observado. Mas os evangelhos mostram também que o Senhor Jesus Cristo tínha um ministério particular que priorizou acima da multidão. João 17 diz que Ele se consagrou, dedicou-se à formação, discipulado e pastoreio dos seus discípulos. Se Jesus não tivesse feito isso, todo seu ministério público, que resultou na conversão e libertação de uma multidão de pessoas, teria possivelmente resultado numa tragédia. A base para essa afirmação está na verdade de que foram esses homens discipulados que deram seguimento ao Seu ministério, que estenderam cuidado pastoral e deram direção à igreja do primeiro século.

Ministério público de Jesus

Há uma outra forma para ganhar clareza sobre o que estou tentando comunicar. Pense por um instante em Jesus desenvolvendo um ministério público extraordinário e alcançando várias pessoas para seu Reino sem contudo dedicar tempo ao discipulado para formação de uma liderança. Então chega o dia em que ele morre para cumprir sua obra redentora, ressuscita e sobe aos céus. Pergunto! E aí?? O que seria daquela gente alcançada? A resposta é simples: ficariam aflitas e exaustas como ovelhas sem pastor. Infelizmente esse é o quadro que vejo em todo esse cenário de crescimento da igreja brasileira. Há muitas pessoas alcançadas, mas estão dispersas, sem acompanhamento, sem pastoreio, desenvolvendo um estilo de vida cristã muito abaixo da média do verdadeiro evangelho. Quero chamar sua atenção para o fato que, quando a igreja nasce em Atos 2, a liderança da mesma já estava formada para dar sustentabilidade ao que viria pela frente. Jesus havia formado através do discipulado que realizou.

Igreja saudável

Por estas e outras razões estou convencido que para uma igreja tornar-se saudável precisa investir tempo, estratégias e recursos no discipulado e pastoreio dos seus líderes e não nos grandes eventos. Isso significa que esses valores e paradigmas devem primeiramente começar no coração dos pastores que são os responsáveis para articular mudanças no contexto da igreja. Se nascer no coração do pastor certamente também nascerá no coração da liderança e a igreja será abençoada. Pastorear a liderança através do discipulado exigirá alguns compromissos sérios:

  1. Seleção: Isso pode ser feito através de um pré-discipulado para descobrir quem de fato tem chamado para a liderança. Não podemos investir tempo, recursos e ministério em pessoas erradas. Jesus fez isso num espaço de 18 meses antes de separar aqueles que formariam o grupo apostólico. Estude a cronologia da vida e ministério de Jesus nos evangelhos e descobrirá isso!
  2. Vida Simples: Tanto o pastor quanto os líderes precisam aprender a simplificar suas vidas estabelecendo as prioridades indispensáveis, importantes e opcionais na vida, família e igreja. A aplicação dessa disciplina ajudará a encontrar o tempo necessário para caminharem juntos desfrutando de uma relação comprometida e pessoal.
  3. Definição de um currículo: Existem seis grandes àreas para trabalhar no discipulado da liderança: A) Relacionamentos; B) Disciplinas Espirituais; C) Caráter; D) Habilidades Ministeriais; E) Conhecimento; F) Saúde emocional. Isso pode ser o currículo para um período de seis anos, lembrando que não é na forma de curso, mas no contexto de grupo com compartilhamento, tarefas práticas, prestação de contas e mentorias!
  4. Grupo pequeno: Pastorear a liderança através do discipulado não se faz com cursos, módulos e grandes eventos. Os líderes precisam  caminhar num grupo pequeno, desenvolvendo uma identidade de família, recebendo e praticando os valores que são ensinados. Ensino que não se pratica não é discipulado.
  5. Encontros individuais: O pastor que se limitar apenas em estar com seus líderes no grupo jamais poderá afirmar que realmente conhece sua liderança. É preciso haver durante o ano encontros individuais para mentoria com cada líder, ajudando-os a identificarem os pontos de crescimento nos relacionamentos, caráter, saúde emocional, ministério que desenvolvem, etc. Essa mentoria precisa resultar num plano de açao.
  6. Prestação de Contas: Líderes não podem ser independentes, isolados, solitários. Essa postura pode levá-los à diversas vulnerabilidades. Dentro dos grupos pequenos eles devem ser organizados em trios e serem treinados em como estender cuidado pastoral uns com os outros, prestando conta de suas vidas, famílias e ministério.
  7. Treinamento: Faz parte do pastoreio da liderança investir tempo em treinamentos onde os líderes possam crescer pelo exemplo, demostração e prática do que está sendo ensinado. O ideal é que esses treinamentos de capacitação sejam feitos num final de semana e pelo menos uma vez por semestre dentro de um bloco de 8 a 12 horas. Para ser treinamento é preciso: Ouvir – Ver – Fazer. Fuja de apenas ministrar palestras.
  8. Altas exigências: Quem caminha num grupo de discipulado num nível de liderança precisa entender e aceitar esse critério. Jesus colocou altas exigências para seus discípulos e muitos desistiram não aceitando pagar o preço o discipulado. Líderes precisam aprender a cumprir com sua palavra, aprender a chegar no horário, aprender ouvir a voz, aceitar trabalhar seu caráter, estarem abertos para cura de suas feridas, etc. Precisam ser ensináveis. Essa é “mãe” de todas as qualificações que devemos buscar nas pessoas que discipularemos.

Minha sincera aspiração é por uma igreja que cresça e apareça em nossa geração. Uma igreja livre e desimpedida, viva e atuante na sociedade. Uma igreja que manifesta o poder da ressurreição de Jesus, transformando vidas, poderes e estruturas. Uma igreja comprometida com a grande comissão, com uma vida cheia do Espírito, com um evangelho integral e a salvação da nação. Mas que isso se dê de forma saudável, equilibrada, sem perdermos nossos princípios, verdades e valores que são inegociáveis. E sobre tudo, que esse crescimento aconteça tendo proporcionalmente a formação de líderes que estejam sendo treinados e pastoreados através do discipulado, afim de apoiarem nesse crescimento, capazes de se reproduzirem para as próximas gerações.  Que o Senhor tenha misericórdia de nós e nos ajude a sermos discípulos e discipuladores segundo o Seu coração.