Por Phelipe Reis
No Facebook, no Twitter, no Instagram, no Youtube… Muitas vozes. Comentando a última polêmica política, criticando ou defendendo as ações do governo, ponderando o escândalo no meio evangélico, opinando se a pandemia é ou não fruto de uma conspiração globalista, enfim. “Gente demais / Com tempo demais / Falando demais / Alto demais…”, como bem descreveu um jovem cantor.
Entre os cristãos não parece ser muito diferente. O púlpito e o microfone sempre foram tentadores. Mas até pouco tempo estavam restritos aos que ocupavam posições de liderança. Hoje, a internet possibilita o fácil acesso às redes sociais, onde qualquer pessoa pode fazer um post, publicar um vídeo, fazer uma transmissão ao vivo e “falar aos quatro ventos”, podendo influenciar milhões de pessoas. Sem precisar, necessariamente, ser um líder respaldado por uma igreja local.
Os benefícios da democratização do acesso à internet são inegáveis. Ao mesmo tempo, o fluxo instantâneo de informações representa uma atraente isca para os que fazem uso indiscriminado dessa facilidade tecnológica. É nessa hora que surgem os exageros e excessos, publicações inoportunas e inconvenientes, julgamentos precipitados e injustos, comentários maledicentes e o ímpeto de dar respostas rápidas e fáceis para assuntos complexos. Além de não contribuírem para um bom testemunho, essas práticas causam desinformação, problemas e divisões.
2020 tem sido um ano de muitas transformações – desafios que a igreja é convocada a responder. Em meio a isso, é natural que as pessoas queiram se posicionar, falar e emitir opiniões. Mas quando todos querem usar o microfone, quem está disposto a ouvir? Essa tendência revela algo, como diz Rubem Alves: “Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. […] Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade.”
Para este “mal pós-moderno”, a Bíblia adverte: “Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar [publicar], tardio para se irar” (Tg. 1.19). No que se refere às respostas da igreja aos desafios desses tempos, as Escrituras Sagradas também orientam: “Responder antes de ouvir é estultícia e vergonha” (Pv. 18.13).
“Pare. Olhe. Ouça”. Esses três verbos que constam em placas de alerta em qualquer cruzamento de linha férrea podem ser um bom exercício para nossos dias confusos. Mais que falar, emitir opiniões e tomar posicionamentos para parecer relevante, é sublime aquele que se coloca para ouvir. É um exercício espiritual de paciência, humildade e alteridade. É resistir à tentação do púlpito e dos likes e desbancar a vaidade que quer assumir o trono do coração.
Calar e ouvir é reconhecer o lugar de fala do outro e valorizar a possibilidade de aprender, calado. Mas Rubem Alves já pontuou que não é uma tarefa fácil:
“Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.”
Calar e ouvir é uma disciplina espiritual estimulada nas Escrituras Sagradas, especialmente quando se trata de ouvir o Senhor:
“Andareis após o Senhor, vosso Deus, e a ele temereis; guardareis os seus mandamentos, ouvireis a sua voz, a ele servireis e a ele voz achegareis” (Dt. 13.4).
“[…] pois o Senhor, teu Deus, te abençoará abundantemente na terra que te dá por herança, para possuíres, se apenas ouvires, atentamente, a voz do Senhor, teu Deus, para cuidares em cumprir todos estes mandamentos que hoje te ordeno” (Dt. 15.4,5).
“Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam o Senhor, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei” (Dt. 31.12).
“O coração do sábio adquire conhecimento, e o ouvido dos sábios procura o saber” (Pv. 18.15).
“Guarda o pé, quando entrares na Casa de Deus; chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos, pois são sabem que fazem mal” (Ec. 5.1).
“Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas. Para este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as conduz para fora” (Jo. 10.2,3).
Calar e ouvir o mundo é uma tarefa necessária para a igreja, como descreve John Stott:
“Ouvir duas vezes […] é a faculdade de ouvir duas vozes ao mesmo tempo, a voz de Deus através das Escrituras e as vozes de homens e mulheres ao nosso redor. Frequentemente essas vozes contradizem uma à outra, mas nosso propósito ao ouvir tanto uma como a outra é descobrir que elas se inter-relacionam. Ouvir duas vezes é indispensável para o discipulado cristão e para a missão cristã. Somente através da disciplina de ouvir duas vezes é que é possível tornar-se um ‘cristão contemporâneo’.” […] “Um dos ingredientes mais importantes – e mais negligenciados – do discipulado cristão é o cultivo de um ouvido atento. Quem ouve mal não é um bom discípulo.”
Calar e ouvir é saciar nossa alma de silêncio e nutrir nossa espiritualidade com outras vozes que podem inspirar nossa caminhada de fé. Que tal colocar em prática agora o exercício do silêncio e da escuta? A seguir, algumas dicas para pensar, ouvir, ler e contemplar.
Para pensar
“Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.” (Rubem Alves)
Para ouvir
Para ler
Ouça o Espírito, Ouça o Mundo (John Stott, editora Ultimato)