Bênçãos e pandemia são em si mesmas realidades incongruentes.

Como podemos pensar em bênçãos se todos os dias estamos a viver com o luto de pastores, de pessoas ativas e queridas? E como acréscimo da dor, nem podemos dar um abraço apertado no último adeus.

Como pensar em bênçãos se muitas Igrejas estão a quebrar? Pastores estão com seus proventos prejudicados, muitos missionários padecem com o aumento do dólar e perda de algum mantenedor, as reuniões são limitadíssimas.

No entanto, tem acontecido uma volta à essência do Evangelho, de maneira dura. A mensagem que mais nos tem consolado e, em alguns casos, a única que pode ainda nos trazer esperança é a mensagem da vida eterna.

Não queremos olhar para a vida eterna agora. É algo interessante para “depois de amanhã”. Não queremos agora porque isso frustra os nossos projetos pessoais e sonhos.

De maneira tão dura, hoje estão mais claras as palavras de Paulo, quando defende a Ressurreição:

“Se a nossa esperança em Cristo se limita a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1 Co. 15:19).

Nunca a mensagem da esperança por vir esteve tão viva da Igreja como um todo. “Nunca” pode ser uma “força de expressão”, mas também é aplicável às nossas lembranças.

Quando foi que a mensagem da Vida Eterna esteve tão próxima da realidade da Igreja? Em tempos de guerra, de outras pandemias e na Igreja Primitiva.

A pergunta que não pode calar é: “Estamos a reagir como a Igreja Primitiva, quando ansiava profundamente pela Segunda Vinda de Jesus?”

O que eles faziam? O que muitas Igrejas estão a fazer?

Dedicavam-se às orações. As circunstâncias clamam por isso. Não mais aquelas orações que determinam, mas aquelas que se sujeitam.

Uma postura que não mais “depende de quem quer, nem quem corre, mas de Deus em usar de misericórdia” (Rm. 9:16).

O que mais faziam eles, e nós precisamos fazer?

Perseveravam na sã doutrina. E perseverar, hoje, no Evangelho, é um comprometimento profundo com Cristo, a esperança da glória, e enquanto esperamos pelo “ainda não”, estendemos as mãos.

Repartir os bens em forma de pão nunca foi tão oportuno, tão básico e tão necessário.

Até o pão de casa em casa podemos partilhar, ainda que de maneira on-line, mas a essência não se perde. O pão continua a lembrar-nos o corpo moído e o vinho segue a chamar-nos ao sangue. Já os outros pães apenas repartimos, e esperamos comer deles juntos, ainda que seja mais tarde.

O número dos que creem está a diminuir e também a aumentar. Diminui porque são muitos os que estão a ser chamados à glória eterna e porque alguns estão a desistir da caminhada. Também não deixa de ser uma varredura que deixa a Igreja vulnerável e ainda mais dependente de seu Cabeça.

Aliás, ainda que algumas Igrejas locais sucumbam, a Igreja de Cristo segue porque Ele é o Cabeça dela.

E por que aumenta o número? Por duas razões. A primeira é que há maior alcance por conta de novas estratégias e tecnologias, e a segunda é que tem caído um temor considerável sobre o povo.

E o temor, que, aliás, era uma marca na Igreja Primitiva, desenvolve empatia com a dor alheia e também uma postura de alerta sobre a transitoriedade deste mundo. Não foi esta a postura exemplar de Lutero frente à mortandade da Peste Negra?

É mesmo em meio as lágrimas que ressurge aquela esperança diferenciada: “Não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança” (1 Ts. 4:13). “Os demais” acabam por perceber a nossa esperança em meio às dores e muitos serão chamados a não mais “des-esperar”.

Enfim, um misto de solidariedade, empatia no sofrimento, altruísmo e esperança por vir estão a provocar, de forma dura, uma reflexão mais profunda do papel da Igreja em sua tensão entre “o já e o ainda não”.


Vacilius Lima e Mara Regina, missionários em Portugal.
Conheça o ministério de Vacilius e Mara Lima: Site Sepal
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