Texto de Marcos Amado
O radicalismo islâmico é uma ideologia que, em sua configuração atual, começou a tomar forma no Egito na década de 1940 como uma reação, entre outras coisas, à ocidentalização desenfreada das sociedades muçulmanas. Ela emana de uma interpretação literal do Corão que afirma que o Islã, conforme praticado durante a idealizada era muçulmana dos três primeiros séculos, é a única solução para os males que afligem o mundo. Os muçulmanos seguidores dessa ideologia (que normalmente têm boa educação formal e entendem claramente o que o Ocidente tem a oferecer), defendem que o Islã é uma forma de vida que engloba os aspectos espirituais e seculares, eliminando assim a dicotomia entre eles. Como Esposito diz: “a questão não é se a religião deve formar parte da vida, mas quando e como”1.
No entendimento dos defensores desta vertente do islamismo, as sociedades muçulmanas falharam porque abandonaram o verdadeiro caminho do Islã e seguiram as ideias ocidentais, o que as levaram ao materialismo, ao secularismo e a um declínio acentuado na moralidade da sociedade. Todos aqueles (incluindo muçulmanos seculares e moderados) que não aceitam a implementação da Lei Sharia, não estão praticando o islamismo de acordo com a interpretação estrita do Corão e estão em jahilyyia. Ou seja, estão vivendo na ignorância,
assim como viviam os povos da Arábia antes do Corão ter sido revelado.
Muitos muçulmanos radicais (também conhecidos como islamistas) aceitam os avanços industriais e científicos do ocidente, desde que não comprometam os valores islâmicos. Por outro lado, eles projetam um marcante ódio pela ordem mundial, liderada internacionalmente pelos EUA (e sua defesa da democracia, liberdade de expressão, direitos humanos, liberdade de religião, etc), pelos líderes dos países muçulmanos que fazem alianças com o ocidente e pelos ulama (estudiosos muçulmanos treinados na lei islâmica). Os cristãos e os judeus são considerados infiéis e não “o povo do livro”, como mencionado no Corão, por estarem supostamente unidos contra o mundo muçulmano 2.
Seu objetivo principal é destruir a ordem mundial atual e restabelecer o califado que, de acordo com eles, é a única forma de haver paz verdadeira e ter uma sociedade igualitária, justa e duradoura. E para atingir este objetivo, eles recorrem à jihad, a guerra santa sancionada por Alá no Corão.
O Desenvolvimento do Radicalismo Islâmico Moderno no Egito
Ao longo de praticamente todo o século 20 o Egito esteve em ebulição política, religiosa e social. Vários fatores contribuíram para essa situação. O advento da Primeira Guerra Mundial e a declaração do Egito como um protetorado britânico foram apenas dois dos muitos aspectos que causaram muitas incertezas e levaram a uma revolução e a um golpe de Estado.
A Revolução Nacionalista de 1919‐1922, com seus líderes seculares, abriu as portas para a publicação de uma infinidade de obras defendendo ideias ocidentais (incluindo a evolução, a separação entre Estado e religião, a emancipação das mulheres, etc.) e a necessidade de deslocar o islamismo do centro do palco da vida nacional. O final do califado otomano em 1924 deu ainda mais combustível para os literatos e outros intelectuais sobre o que, no seu entendimento, era a inutilidade da noção de uma umma islâmica (uma nação pan‐islâmica).
Por outro lado, houve vários fatores que levaram os religiosos a se chocar diretamente contra os secularistas: uma longa história de radicalismo islâmico, os ensinamentos de Al‐Afghani (que acreditava que as potências estrangeiras não tinham lugar no mundo muçulmano e que os líderes muçulmanos não deviam permanecer no poder se não seguissem a lei sharia) e o Wahhabismo (o rigoroso movimento sunita da Arábia Saudita).
Adicionalmente, o fracasso do governo nacionalista em cumprir suas promessas de melhorar a situação social para os mais necessitados, a ascensão do secularismo no governo e entre os intelectuais, o final do califado muçulmano, combinados com o fato de que a maioria da população manteve‐se altamente influenciada pelos ensinamentos islâmicos, provou ser uma poderosa receita para uma “renovação do sentimento islâmico”.
Hassan al‐Banna e Sayyid Qutb foram os dois egípcios que tiveram os papéis mais importantes no renascimento islâmico. Al Banna providenciou a estrutura inicial, a convicção e o entusiasmo necessários para desencadear um movimento islamista, a “Irmandade
Muçulmana”. Anos depois Qutb iria se juntar às fileiras do movimento, aportando a base teórica necessária (intelectual e teológica) para estabelecer fundamentos sólidos para o movimento que, do Egito, se expandiu para muitas outras partes do mundo.
Os primeiros seguidores da “Irmandade Muçulmana” enfrentaram perseguição, prisão, tortura e morte, mas o movimento continuou crescendo implacavelmente. A capacidade que eles tinham de suportar vinha da lembrança que o Profeta Maomé e seus primeiros seguidores também foram perseguidos, mas não desanimaram. Em vez disso, eles perseveraram e deram o exemplo que é seguido hoje por islamistas em diferentes partes do mundo (incluindo no mundo ocidental) que estão dispostos a morrer para ver a atual ordem mundial ser destruída, o califado ser reativado e o Reino de Alá ser estabelecido na Terra, através da implementação da lei sharia.
A vida de Qutb é um claro exemplo de como esta ideologia tem uma forte atração sobre a vida dos muçulmanos. Ele era um muçulmano secular, considerado um promissor representante e autoridade em sua área, totalmente dedicado à sua profissão como crítico literário, conhecedor das mais modernas ideias políticas, sociais, religiosas e científicas de seu tempo, mas que foi lentamente cativado pelo que viu na beleza literária e na poderosa mensagem de seu Corão árabe, no qual ele viu a resposta para a galopante pobreza, para a crescente secularização e a consequente redução dos padrões éticos em seu amado Egito.
De fato, não é fácil para um ocidental com uma mente estruturalmente secular compreender todas as implicações da transição pela qual Qutb passou, chegando inclusive ao ponto de defender que a jihad deveria ser usada contra muçulmanos e não‐muçulmanos. No entanto, parece claro que seus contatos com o Corão e com seus companheiros islâmicos na infância, e com o Sufismo na adolescência, foram de fundamental importância para o que aconteceu mais tarde em sua vida. O ambiente de sua casa (onde a política normalmente fazia parte das conversas), sua mente privilegiada, sua natureza poética e sua constante busca de uma maior compreensão do mundo espiritual são então adicionados às condições necessárias para produzir um revolucionário que iria influenciar a vida de milhões de pessoas.
É no mínimo surpreendente descobrir que o desejo de muitos muçulmanos radicais é estabelecer uma sociedade mais justa e submeter‐se totalmente a Deus, como foi claramente o caso de Qutb. No entanto, os meios pelos quais eles querem atingir esses objetivos não podem ser tolerados. Como poderiam os cristãos, através da mensagem de Jesus, causar um impacto na compreensão islamita do que realmente significa estabelecer o Reino de Deus na Terra?
1 1. John L. Esposito, Islam the Straight Path (New York – Oxford: Oxford University Press, 1991 – expanded
edition), 157.
2 Esposito, Islam, 164.