Autoimagem negativa, casamentos em crise, dificuldades em lidar com filhos e dívidas. Esses são alguns dos principais problemas observados por Luciano Pauls na vida de muitos pastores de igrejas evangélicas. A percepção dele não é de alguém de fora ou um olhar acadêmico, além de ser pastor e lidar com os desafios do pastorado, há alguns anos ele se dedica a ouvir outros líderes.

Luciano é diretor executivo da Fermata, um ministério que nasceu com a missão de ajudar pastores e cônjuges a servirem com alegria e terminarem bem suas carreiras. O ministério realiza encontros por todo o Brasil, reunindo pastores e líderes de diferentes denominações, com o propósito de inspirar e conduzir pastores e cônjuges a viverem a vida substituída (Gálatas 2:20) e a vida no espírito (Gálatas 5:16).

Conversamos com Luciano sobre a importância do autocuidado integral para o líder, desde o preparo ao exercício ministerial. Ele falou sobre as raízes dos problemas, a importância do descanso e deixou dicas de como líderes podem colocar em prática o autocuidado. Leia a entrevista a seguir.

O que mais impactou você no início do seu trabalho ouvindo e aconselhando pastores e líderes?

Luciano Pauls – O maior impacto foi o fato de que a maioria desses pastores e líderes não tinham um cuidado pastoral em suas vidas, ou seja, estavam cuidando de pessoas, mas não sendo cuidados. Ao mesmo tempo, passando por lutas, crises e dificuldades que todo ser humano enfrenta, seja na sua autoimagem e autoliderança, no seu casamento, na relação com os filhos, na área financeira, e com problemas de saúde, devido à falta de cuidado na alimentação, sono e exercícios físicos.

Quais os problemas mais comuns que você tem observado na liderança da igreja evangélica brasileira?

Luciano Pauls – Os problemas que observamos hoje, quando se trata da liderança espiritual, são bem amplos e muitas vezes complexos. São problemas de ordem pessoal, ministerial e teológica. Problemas de ordem pessoal percebemos pela autoimagem negativa, casamentos em crise, dificuldades em lidar com filhos, dívidas e dificuldades nas relações interpessoais em geral. Na área ministerial existe uma crise de liderança, dificuldades no aconselhamento e de uma proposta clara de discipulado. Teologicamente falando, há uma confusão grande hoje na mente de muitos líderes. Nessa era da informação, temos acesso a tanta influência, tantos conteúdos, ideias e pensamentos que diferem entre si, que o resultado é uma mistura teológica, que dificulta um ensino apropriado das verdades do evangelho.

Muitos dos problemas que vemos são sintomas de algo mais profundo. O que está na raiz dos problemas? Nossa teologia (ou a falta de uma teologia) e nossos modelos de igreja têm uma parcela de culpa?

Luciano Pauls – Penso que alguns fundamentos da nossa fé precisam ser compreendidos com maior profundidade, e é necessário um questionamento constante daquilo que pensamos e fazemos, tanto pessoalmente quanto na denominação. Um desses fundamentos é o que chamamos de “vida substituída”, baseado em Gálatas 2:20, que trata de compreendermos com profundidade, e de forma prática, o que significa a vida de Cristo em nós. Temos uma nova natureza em Cristo, que nos dá condições de expressar ou manifestar uma vida completamente diferente da que tínhamos antes de Cristo nas nossas vidas. Isso afeta todas as áreas da nossa vida. E para isso é necessário humildade, simplicidade e total dependência na caminhada pessoal e ministerial.

Como você define autocuidado integral e como ele pode contribuir para uma vivência pessoal e ministerial mais saudável?

Luciano Pauls – O autocuidado integral é uma valorização apropriada das diferentes dimensões e áreas da nossa vida, compreendendo que somos afetados pelo desequilíbrio, ou seja, se uma dimensão ou área da nossa vida não está bem, sofremos por causa disso. Para isso é importante estar sempre em busca do equilíbrio. Creio que para uma vivência pessoal e ministerial saudável, é necessário a valorização e o cuidado espiritual, mental, emocional, físico, do casamento, relação com os filhos, finanças, da liderança ministerial e do conhecimento teológico. E para cada uma dessas áreas da nossa vida precisamos tomar boas decisões e estabelecer uma disciplina prática que honre essas decisões.

Qual o lugar do “descanso” da vida do líder e por que muitos parecem ter dificuldade em tirar um tempo de descanso?

Luciano Pauls – O descanso realmente é um assunto fundamental na atualidade e que precisa ser resgatado. Deus abençoou o descanso no sétimo dia da Criação, ou seja, existe bênção no descanso. No descanso reencontramos o equilíbrio, a paz, a alegria, a profundidade, e muitas outras bênçãos. Creio que o descanso é espiritual, em Cristo, e é prático, quando descansamos do trabalho, tiramos um dia de folga, férias, passeios, e outras atividades que contribuirão para o autocuidado pessoal e familiar. Muitos líderes têm dificuldades com o descanso prático por pensarem que a obra depende exclusivamente deles, e pela falta de compreensão de que a prioridade do líder no ministério é capacitar pessoas para que exerçam o ministério.

Além do descanso, quais outras medidas práticas de autocuidado você indica para pastores e líderes?

Luciano Pauls – Uma quebra de paradigma na minha vida foi compreender a importância da administrar energia, e não o tempo. Nós temos muito tempo disponível e somos capazes de produzir muito, mas para isso precisamos de energia ou força espiritual, mental, emocional e física. É como se fossem os quatros pneus do carro que precisam estar bem calibrados para que o carro ande bem. Na prática, isso significa tempo de qualidade com Deus, manter o pensamento nas coisas do alto e focar naquilo que edifica. Ter pessoas de qualidade à nossa volta para os momentos difíceis, de crises e perdas, ou quando simplesmente não estamos bem. E o cuidado com a saúde física, através de uma alimentação adequada, sono apropriado e exercícios físicos com regularidade. 

Qual a importância de inserir o autocuidado no treinamento e na formação de novos pastores e líderes?

Luciano Pauls – É fundamental a capacitação de novos líderes e pastores de forma integral, ou seja, capacitando-os para a vida, para o ministério, e teologicamente. Essa capacitação poderá prevenir uma série de crises e dificuldades futuras, embora muitas vezes haja um crescimento e aprendizado por meio da dor e sofrimento, através das experiências da vida. Penso que é necessária uma capacitação integral desses novos líderes, e ao mesmo tempo, criar uma estrutura de cuidado e apoio aos líderes durante a caminhada da vida. Nem tudo conseguimos antecipar ou prever, por isso a combinação dessas duas partes é fundamental.

Deixe uma palavra aos pastores, líderes e missionários que lerão essa entrevista.

Luciano Pauls – De acordo com Atos 20:28 somos desafiados a cuidar de nós mesmos e do rebanho sobre o qual fomos colocados. Essas duas dimensões de cuidado precisam ser valorizadas e feitas com excelência. Não negligencie o autocuidado nem o cuidado do rebanho. Procure formas de crescer e amadurecer nesse cuidado. Se você líder, pastor, missionário ou obreiro estiver bem, você poderá cuidar bem de outros. Se a sua família estiver bem, você poderá cuidar bem da Igreja de Cristo.

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Luciano Pauls é casado com Juliane Pauls, com quem tem três filhos, Kael Andreas, Daniel Owen e Joseph Luigi, possui formação em teologia pelo CEMTA, seminário menonita em Assunção, no Paraguai, e tem se dedicado a cumprir o seu chamado de ensino e pastoreio. Desde 2005, ele mora com a família em Curitiba, Paraná. Atualmente é diretor executivo do ministério Fermata.


Por Phelipe Reis | Jornalista e colaborador de conteúdo para o site Sepal.