“Todos nós carregamos em nossos bolsos seus próprios pregos”, disse Lutero.
Na escada de acesso aos quartos na minha casa, tenho sete pequenas cruzes, cada uma do tamanho do palmo da mão. Com formatos levemente variados, elas representam culturas e épocas distintas da história da Igreja. Tento refletir no seu significado, pensando no seu propósito quando subo ou desço os degraus todos os dias. Quantas vezes, contudo, passei ao seu lado sem dar atenção. Passamos perto da cruz e não nos importamos! Alguns dizem que Francisco de Assis, não conseguia comer uma refeição num aposento qualquer onde houvesse uma cruz pendurada, sem que lágrimas rolassem pela sua face. Talvez tivesse memórias vivas do Getsêmani: seu suor como gotas de sangue, pela intensa agonia. Despido, amarrado a um poste e açoitado pelo chicote romano de pesadas tiras de couro e pequenas bolas de chumbo na ponta que dilacera o tecido debaixo da pele, rompendo capilares e veias, causando hemorragia – uma irreconhecível massa ensanguentada. Sua cômica coroa coberta de longos espinhos e pressionada sobre sua cabeça. Jesus carregando a cruz e permanecendo entre dois criminosos. Pesados cravos de ferro que ultrapassam os ossos dos seus pulsos e pés.
O drama da cruz prova que Deus conhece o sofrimento e a dor mais profunda que possa ferir a sua alma. Deus sangra, geme, sente cãibras. Seus músculos peitorais estão paralisados e os tecidos marcados pela desidratação. Sem oxigênio para respirar e com o coração comprimido, Ele se derrama na cruz dizendo: “Pai, perdoa-lhes”, “hoje estarás comigo no paraíso’’, “Deus meu, por que me desamparaste”?, “Tenho sede”, “Está consumado”, “Pai, nas tuas mãos, entrego o meu espírito”. Ele compreende o que significa ser fraco, frágil e mortal.
A morte de Cristo na cruz representa tensão e sofrimento, drama, trama e antagonismo, mistério e escândalo, dor, alegria e salvação. Para aqueles que pregam o amor diluído de um deus pura benevolência, que salva tudo e todos, a cruz não teria para que existir. A terrível morte de Cristo se tornaria desnecessária se Deus fosse somente amor. Colocando o centro da mensagem apenas no amor de Deus, como muitos fazem hoje se dilui a importância e inevitabilidade da cruz. Como poderíamos entender a vida cristã sem a morte e o sofrimento de Cristo? Como compreender tão maravilhosa salvação e diariamente presenciar epidemias, fome, guerras, vulcões, tsunamis, maremotos e terremotos e morte? Como explicar simplisticamente o porque tantas coisas ruins acontecem com gente boa e os ímpios e corruptos prosperam? Respostas para essas questões são complexas. Não é por acaso que o mundo encontra-se apático para com Deus; a mensagem da cruz de Cristo é especialmente discrepante para aqueles que veem as igrejas locais por demais preocupadas em erigir grandes templos, levantar imensas somas de dinheiro, gabando-se de seus ministérios, vendendo produtos religiosos, cantando uma vida vitoriosa, celebrando o bem-estar pessoal e apresentando a caricatura de um evangelho tão diferente do evangelho do seu fundador, Jesus Cristo.
A cruz é a declaração exata e completa de ambos os lados da moeda: a misericórdia, amor e compaixão em combinação com a justiça, santidade, e perfeição. Ela é a demonstração exata, mais completa de ambos os lados do caráter de Deus: a ira e justiça contra o pecado combinado com a imensidão do amor e perdão para recuperar a criação caída. Somente debaixo da cruz podemos apreender plenamente a mensagem central do Novo Testamento: Deus libertou pecadores de um destino terrível. Sem a compreensão total do seu pecado, você não poderá apreciar totalmente a alegria do perdão. Lutero, certamente um dos melhores teólogos da cruz, ensina que sofrimento, cruz e morte são os tesouros mais preciosos entre todos, são as relíquias mais sagradas da igreja. Felizes são aqueles que foram considerados dignos por Deus para receberem estes tesouros! Isso é muito diferente de quase tudo aquilo que ouvimos!
Há evidências de que algo muito errado está acontecendo nos dias de hoje, “O sinal de Cristo está faltando”, dizia Lutero séculos atrás. O sinal verdadeiro do cristão, sua logomarca, é a cruz. Ser cristão é compreender na carne a importância do sofrimento na vida e identificar-se com Cristo na cruz. Outro pastor e teólogo alemão, Dietrich Bonhoeffer, defendeu que “suportar a cruz não é tragédia; o sofrimento é fruto de uma dedicação exclusiva a Jesus Cristo”. Bonhoeffer tem autoridade para dizer isso. Foi martirizado e enforcado pelos nazistas.
Entre a cruz e a ressurreição encontra-se o segredo para a existência humana. Entre a cruz e a ressurreição está a chave para a redescoberta da identidade da igreja na sociedade. O caminho para a relevância da fé cristã dentro e fora da igreja encontra-se entre a cruz e a ressurreição. J. I. Parker acredita que o mundo hoje questiona a igreja da mesma maneira que Tomé questionou Cristo: “A menos que eu veja em suas mãos as marcas dos cravos, não crerei”. É verdade. Somente o homem que morrer com Cristo poderá testemunhar da sua cruz.