O drama de televisão Fringe propôs uma intrigante visão do mundo. Existem dois “planetas terras” em paralelo. Uma linha tênue separa a vida das pessoas, governos e organizações que vivem nesses dois planetas. Agentes policiais cruzam os “universos” através de máquinas inventadas num futuro longínquo ou via efeito de certas drogas que afetam os neurônios do córtex cerebral. Homens do futuro inexplicavelmente visitam a história humana, intervindo, dialogando e finalmente invadindo e conquistando as cidades.
Você poderia me dizer que tudo isso não passa de uma quimera, uma mera invenção fantasiosa de Hollywood para a TV. Entretanto, há filósofos, físicos, cosmólogos, astrônomos e psicólogos que acreditam ser razoável postular a existência de múltiplos universos paralelos.
Afinal de contas, todas as religiões procuram convencer seus seguidores que suas crenças dizem a verdade e isso naturalmente leva-os a acreditarem que são melhores que os seguidores de outras crenças. Sugerir que a sua fé seja aceita como verdade por todos é ser culpado do imperdoável pecado: dogmatismo. Isso poderá resultar em marginalização e preconceito e até mesmo em abuso, violência e terrorismo. As pessoas creem porque estão socialmente condicionadas a isso, disse o sociólogo Peter L. Berger.[i] As pessoas simplesmente aceitam certas crenças porque pertencem a comunidades que reforçam esses valores. Entretanto, seria arrogância dizer que a sua religião está certa e a dos outros está errada.
Mesmo a crença racional na Bíblia pode ser excessivamente dogmática e apologética. Adiantará você fundamentar sua fé na credibilidade histórica da Bíblia segundo os critérios humanos? Os relatos bíblicos precisarão necessariamente se embasar na razão e na lógica? Há inúmeros livros na linha de pensamento de Werner Keller, A Bíblia Tinha Razão. Na busca do seu valor histórico e confiabilidade, estudiosos buscam através de pesquisas arqueológicas, comprovar cientificamente os fatos narrados nas Escrituras. Entretanto, há inúmeros livros na linha do A Bíblia Não Tinha Razão[ii], um livro editado em 2001 sobre a arquelogia de Israel e sua relação com as origens da Bíblia Hebraica. Baseados em descobrimentos arqueológicos, os autores destacam uma série de anacronismos históricos.[iii]
Isso não quer dizer que não tenhamos provas e evidências da confiabilidade das Escrituras. Existe cerca de 5.000 manuscritos gregos de parte ou de todo o Novo Testamento. Alguns fragmentos datam de cerca de 70 dC e foram escritos durante a vida daqueles que testemunharam pessoalmente o ministério de Jesus. Existem também os manuscritos das primeiras traduções do original grego para o latim, siríaco, copta, armênio e outras línguas. O tesouro principal da Biblioteca do Vaticano é o manuscrito chamado Códex Vaticano. Um dos principais tesouros do Museu Britânico é o Famoso Códex Sinaítico, adquirido pelo governo Britânico das mãos dos soviéticos, no dia do Natal de 1933. Estes são, naturalmente, cópias feitas manualmente a partir dos manuscritos e traduções originais. Esses manuscritos originais foram copiados, as cópias copiadas novamente, as cópias das cópias foram transcritas e assim por diante, até chegar ao imenso número de manuscritos que devem ter existido. Agora, esperar-se-ia que ao fazer tantas cópias de cópias o resultado fosse um desvio substancial do texto original. Pois os copistas, provavelmente, não só cometeriam erros não intencionais nas cópias, mas também acrescentariam enfeites e omitiriam passagens problemáticas ou aquelas com as quais não concordavam. É realmente notável, portanto, que, com exceção de pequenas diferenças textuais, todos esses manuscritos estão em concordância. Isso faz muito sentido, não faz? Entretanto, como disse Tomás de Aquino: “Para aquele que tem fé, nenhuma explicação é necessária. Para aquele que não tem fé, nenhuma explicação é possível”.[iv]
Mas “ter fé” não pressupõe aceitar o cristianismo sem quaisquer ressalvas. A vida cristã não é uma vida completamente estável. Há, inclusive, espaço para a dúvida. Desde modo, a confiança torna-se necessária. Eu confio em Deus, na autoridade da Bíblia, na Igreja, nos meus pais, professores e companheiros, em livros, em algumas instituições, organizações e assim por diante. Preciso confiar nas minhas experiências, na minha memória, intuição, sentimentos, e razão. Dessa forma, a fé não é diferente de qualquer conhecimento. Como disse Michael Polanyi, todos os nossos saberes são fiduciários, ou seja, são atos de confiança, em que, humanamente falando, não há garantia de que estamos certos. Todo conhecimento científico, não diferente do religioso, está sujeito ao compromisso pessoal e a uma comunidade em particular. Para acreditarmos em qualquer coisa, devemos confiar. Antes de podermos decidir no que acreditar, precisamos decidir o que ou em quem confiar.



[i] A rumor of Angels: Modern Society and the Rediscovery of the Supernatural (Doubleday, 1969), p40
[ii] Israel Finkelstein e Neil Asherd Silberman, A Bíblia Não Tinha Razão, São Paulo, Ed. A Girafa, 2003, 520 pp. Finkelstein é professor de Arqueologia na Universidade de Tel Aviv, Israel. Silberman é diretor de interpretação histórica do Centro Ename de Arqueologia Pública na Bélgica.
[iii] Nenhum dos dois lados percebe que as Escrituras não se preocupam em dizer quando e como Deus criou o mundo, mas quem o criou e por que.