Como andam as coisas por aqui?

O repórter Paulo Amorim ficou famoso por suas críticas e por sempre saudar seus telespectadores dizendo: “Boa Noite, tudo bem?”. Mesmo em tempos de guerra, a pergunta continua a mesma. E no nosso dia-a-dia? Às vezes, quando queremos nos livrar rápido de alguém, dizemos que está tudo bem.

Quero pensar um pouco na pergunta acima: como andam as coisas por aqui? Dessa pergunta surgem outras mais: qual a real situação social de nosso país e da América Latina? Como pós-modernidade tem influenciado os pensamentos na sociedade civil e na igreja? Precisamos de uma renovação?

1. Situação Social e Pós-Modernidade

Não pretendo passar aqui toda situação social da América Latina e Brasil porque o espaço seria pequeno e também nem pretendo explorar a pós-modernidade a fundo porque ainda estamos dentro desse furacão e ninguém sabe direito o que ver quando tudo está rodando. Meu objetivo é destacar pontos simples que a igreja deve perceber para ser atuante em seu contexto.

Pra começar, a situação social da América Latina e Brasil está se agravando cada vez mais. Quem diria há vinte anos atrás que a Argentina, por exemplo, mergulharia numa crise econômica onde metade da população estaria desempregada e trinta por cento viveria abaixo da linha da miséria? Com certeza, estamos vivendo uma época diferente.

Anualmente morre mais pessoas assassinadas no Rio de Janeiro do que todos os soldados americanos na guerra do Vietnã, que durou vários anos. O valor de uma vida é irrisório, ínfimo. Valores familiares e sociais são mudados numa velocidade assutadora.

De acordo com Pablo Richard:

Vivemos hoje uma acelerada crise econômica, uma crise do sistema; inclusive alguns pensam que vivemos uma crise da modernidade, ou mais profundamente: uma crise de civilização. Também se fala de crise de paradigmas e de crise de esperança. Não é uma época de mudanças, mas uma mudança de época. É também um tempo de desmoronamentos. Há pouco vivemos – como um caso típico – a ruína da União Soviética, e hoje já começamos a viver um desmoronamento semelhante no México, precursor possivelmente de outros novos no norte e no sul. Igualmente sofremos a agressividade e destrutibilidade dos novos “vencedores” no campo econômico e político internacional. Todo isto causa perplexidade, medo, angústia, dor social e inclusive desesperança. Há um ditado popular que diz: “É melhor acender uma luz, que amaldiçoar as trevas”. Nesse clima de crise, desabamento, medo, agressividade e desesperança, a única atitude humana responsável é a reconstrução da esperança. No entanto não esperança voluntarista, ideológica ou ilusória, mas esperança histórica, real e criadora de alternativas. É possível que este final de século (e final também de milênio) não seja um tempo cheio de certezas, de êxitos e de triunfos, mas sim será um tempo de construção de fundamentos e de criação de alternativas [1].

A sociedade moderna é racional: estende às razões humanas à mentalidade científica. A sociedade pós-moderna é irracional: o que importa são as emoções e o bem estar. A modernidade é a sociedade da razão crítica: é uma crítica permanente, mas sem mudanças profundas. A pós-modernidade é a sociedade sem razão e sem crítica.

A realidade é que a sociedade atual se esfacelou numa esfera multifacetária de sentidos. Com a regionalização e a especialização, perdemos o sentido global da razão. Não há mais um único sentido, mas uma guerra no universo da especialização.

Quais as conseqüências das pós-modernidade para as pessoas? Primeiro, ela não têm mais instância, mas é diferenciada.

Depois há uma instabilidade permanente, onde tudo é provisório. A sociedade é marcada pelo “pluralismo essencial”, onde se busca fundamentar sua estrutura, ética, cultura, etc. Diante disso, há o afrouxamento dos valores e tradições, e o que importa é o indivíduo, onde se promove a satisfação imediata das necessidades. A felicidade é a busca dessas necessidades satisfeitas, e toda satisfação satisfeita gera uma nova satisfação. As colunas de apoio tradicionais caíram, desmoronaram e o indivíduo não tem mais estabilidade permanente: ele vive para onde o vento sopra.

A sociedade vive também um mimetismo social, uma psicose da imitação. Nessa sociedade pós-moderna, o indivíduo deixa de ser o centro da decisão e se torna uma presa fácil para tudo que vem de fora. O conceito de tempo é importando porque tem a ver com produtividade e o futuro é algo factível, projetado.

2. A Situação da Igreja e da Fé

            E a igreja onde está nisso tudo? Pelo que podemos perceber a igreja está fugindo da pós-modernidade que “nem o diabo foge da cruz”.

Com a secularização houve um deslocamento da religião do centro da vida humana para a esfera do privado. Ela não desapareceu, mas foi colocada de lado. O que existe hoje em dia é um “coquetel do sagrado”, onde o indivíduo pega um pouquinho daqui, um pouquinho dali, daquilo que o satisfaz.

Se o tecido social está envenenado pela pós-modernidade, a saída para a igreja tem sido criar ilhas onde se possa respirar o “ar puro”. Então, há uma fuga da realidade e os crentes buscam nessas ilhas – espaços de vivência cristã – separar-se da sociedade pós-moderna.

O cristianismo católico romano passa pela mesma fase diante da sociedade pós-moderna: isolacionismo. Depois do papa Leão XIII [2], a igreja romana fez um esforço tremendo para formar um “gueto católico”.

            A tarefa da teologia é repensar os conteúdos da fé e isso é um grande problema. A sociedade vive hoje em mudança, e a teologia tem ficado pra trás em pensar nas respostas para a sociedade. Aliás, ela tem sido, desde o princípio da sociedade moderna, racionária. Ela procura responder às perguntas que lhe são feitas e só encontra tempo pra isso. O que acontece, contudo, é que a sociedade está deixando de lado a opinião da igreja e procurando respostas mais plausíveis para seus problemas.

            Como fica então a vivência da fé na sociedade hoje? Em que condições? O conteúdo da fé e as experiências humanas significativas não se encontram mais. Então temos dois universos distintos e distantes entre si: fé e vida humana. Onde a fé tem respaldo hoje? Não é mais na sociedade e nem na igreja. A fé se respalda numa profunda experiência pessoal com Deus. Isso não significa que essa experiência religiosa seja fora da vida, mas sim que ela é vivida dentro das esferas humanas, no cotidiano, no dia-a-dia. O cristão é exatamente aquele que interpreta suas experiências humanas pessoais à luz da Bíblia. Mas existe outra relação: em encontrar forças dentro de um grupo que pode traçar essas experiências de vida e fé.

3. A Necessidade de Renovação

            Porque renovação? A pergunta parece óbvia, mas não é. Até parece que temos vivido uma renovação:

… não somente o crente muda de um credo para outro, desta para aquela igreja. As religiões mudam também e mudam muito rapidamente, muitas vezes suas transformações apontando para um outro público alvo, visando alcançar clientela anteriormente fora do alcance de sua mensagem. É verdade que a religião muda a reboque da sociedade, sobretudo no que diz respeito aos modelos de conduta que prega e valores que propaga, freqüentemente adaptando-se a transformações sociais e culturais já plenamente em curso, num esforço para não perder o trem da história, como tem ocorrido especialmente com a igreja católica.[3]

Contudo, é de se notar, que estados brasileiros que têm grande número de evangélicos como Rio de Janeiro e Espírito Santo, estejam presentes na mídia diariamente por causa dos escândalos policiais e políticos. O avivamento que tanto tem se falado nos quatro cantos da nação não parece ultrapassar as paredes das igrejas. O Brasil é conhecido atualmente no mundo como “celeiro de missionários”, e quem olha de lá pra cá, acha que as coisas aqui tem andado às mil maravilhas.

Precisamos de renovação porque o “avivamento” que está por aqui não passa de “bronze que soa” ou “címbalo que retine”. Precisamos de renovação porque nossa fé é só uma fé de púlpito, de igreja. Precisamos de renovação porque a sociedade precisa de renovação. Precisamos de renovação porque a igreja é a resposta de Deus para a cidade[4].

Ao que parece a igreja tem caminhado para uma segunda reforma, essa a nível mais social do que teológico, porque a fé não tem respondido os anseios por uma sociedade mais justa, honesta e capaz.


[1] Pablo RICHARD. ¿Esperanza o caos? Fundamentos e Fundamentos y alternativas para el siglo XXI. https://www.sjsocial.org/relat/127.htm
[2] Papa italiano (1878-1903), autor da primeira declaração papal ante as transformações da sociedade atual. Formulou a teoria social e econômica da Igreja Romana. Seu pontificado assinala o começo da modernidade do catolicismo. Em sua encíclica Aeterni Patris, 1879, advogou o restabelecimento da filosofia de São Tomás de Aquino como base da renovação social e política. Seguiram-se a esta encíclica, 88 declarações sobre teoria e prática política. Na Rerum Novarum (1891), sobre a questão social, sustentou que a propriedade privada, dentro dos limites da justiça, era um direito natural. Condenou o capitalismo, apontando-o como causa da pobreza e degradação de muitos trabalhadores. Apesar de ressalvar alguns aspectos do Socialismo, que considerava cristão, condenou-o por ser materialista e anti-religioso. O papado de Leão XIII caracterizou-se pelos esforços para o desenvolvimento do ensino. Embora seus propósitos de conciliar o cristianismo com o pensamento da época tenham alcançado resultados desiguais, seu programa foi positivo, sólido e despertou na Igreja uma mentalidade questionadora. Enciclopédia Microsoft Encarta, 2001.
[3] Reginaldo PRANDI. Religião, biografia e conversão: escolhas religiosas e mudanças da religião. www.ifcs.ufrj.br/jornadas/papers/09mr0503.rtf

[4] C. Timóteo CARRIKER. Princípios Missiológicos para uma pastoral urbana no Brasil. IN: Boletim Teológico – FTL Brasil. Londrina: FTL-B, 1995: 26, p. 39