Para não errar na hora de preparar um sermão ou ministrar à comunidade, é primordial conhecer os princípios da hermenêutica bíblica e encarar a responsabilidade com zelo

Por Cleiton Oliveira

Interpretar a Bíblia corretamente é fundamental. A afirmação, naturalmente lógica, vai além de um simples pressuposto. Infelizmente, muitos erros têm sido cometidos no seio da igreja evangélica, trazendo prejuízos para sua imagem e para um incontável número de cristãos ou ex-cristãos desiludidos com a fé.

De fato, por causa dos devaneios de alguns pastores, líderes, professores, conselheiros e cristãos tristemente equivocados, muita gente tem sido machucada em decorrência de ensinamentos heréticos, altamente perigosos. Basta uma simples busca pela Internet para encontrar incoerências de todo tipo, muitas vezes defendidas de modo caloroso.

O resultado disso envolve não apenas o aparecimento de um enorme contingente de pessoas desgostosas com a ideia de voltar a frequentar uma comunidade de fé, como também o afastamento dos que estão de fora. Paralelamente, esse péssimo testemunho promove a ridicularização e a criação de estereótipos em relação aos evangélicos.

Manejar bem a Palavra da verdade

Paulo escreveu a Timóteo: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2Tm 2.15, ACF). Conhecer a Palavra exige do cristão um comprometimento que vai além da simples leitura, é preciso interpretá-la, meditar em suas verdades e aplicar seu conteúdo de forma correta. Assim, ao manejá-la e vivenciá-la, pode prosseguir na jornada de forma que honre a Deus e edifique os irmãos.

“Conhecer a Palavra exige do cristão um comprometimento que vai além da simples leitura, é preciso interpretá-la, meditar em suas verdades e aplicar seu conteúdo de forma correta.”

E é justamente quando o assunto envolve a interpretação e a aplicação das Escrituras que a questão fica especialmente delicada. O que se deve ter em mente é que existem princípios que regem sua correta análise e compreensão. Tristemente, não é difícil ouvir sermões, ler livros ou escutar canções que forçam significados que o autor bíblico jamais pretendeu transmitir.

Nesse sentido, para que o leitor não cometa equívocos ao estudar e aplicar um conteúdo bíblico, estar a par das regras da hermenêutica, ou seja, da ciência e da arte da interpretação bíblica, é essencial. Conforme apontam Willian Klein, Craig Blomberg e Robert Hubbard Jr, autores do livro Introdução à Interpretação Bíblica (Thomas Nelson Brasil), a hermenêutica viabiliza os meios de entender as Escrituras e aplicá-la de forma responsável. Sabê-la ajuda o leitor a evitar uma interpretação que seja arbitrária, errônea ou que simplesmente se adapte aos seus caprichos pessoais. “Um procedimento deliberado de interpretação baseado em princípios coerentes e confirmados torna-se a melhor garantia de que uma interpretação será precisa”¹, dizem.

3 regras fundamentais da hermenêutica bíblica

1º Saiba que a Bíblia é intérprete de si

Ao estudar um determinado texto, o leitor deve interpretá-lo à luz das Escrituras como um todo, levando em consideração que a Palavra de Deus jamais se contradirá. Extrair versículos de seu contexto para justificar pontos de vista pessoais e desconectados de toda a verdade bíblica resulta em erro e, em alguns casos, tal atitude não é fruto de desconhecimento, mas reflexo de uma manobra ardilosa de quem deseja imprimir uma visão própria ao que o autor bíblico pretendia ensinar.

Sobre a questão, E. Lund e P.C. Nelson, autores da famosa obra Hermenêutica: Princípios de interpretação das Sagradas Escrituras (Editora Vida), afirmam que “explicando a Escritura pela Escritura, usando a Bíblia como intérprete de si mesma, não apenas se adquire o verdadeiro sentido das palavras e de textos determinados, mas também a certeza de todas as doutrinas cristãs quanto à fé e à moral”. Por isso, declaram que “é preciso ter em mente que não se pode considerar completamente bíblica uma doutrina antes de resumir e encerrar tudo que a Escritura diz sobre ela”2.

“É preciso ter em mente que não se pode considerar completamente bíblica uma doutrina antes de resumir e encerrar tudo que a Escritura diz sobre ela.” ¹Lund e P.C. Nelson

 2º Jamais force interpretações

Nesse sentido, sempre que possível, deve-se considerar as palavras em seu sentido mais usual e comum, sem forçar significados que extrapolam a verdadeira intenção do texto. Isso, no entanto, não significa interpretar a Bíblia sempre ao pé da letra. Por ser fruto da linguagem, a composição do texto bíblico possui diversos elementos que são conjugados na transmissão da mensagem, como metáforas, hipérboles, parábolas, provérbios e expressões idiomáticas.

Deve-se observar o contexto, avaliando as frases em seu conjunto, os versículos que antecedem e precedem o texto que se estuda e o objetivo do livro em questão. Dessa forma, seja pastor ou leigo, todos devem considerar que Deus não faz revelações especiais a alguns afortunados, transmitindo novas mensagens que negam o que está claramente exposto nas Escrituras.

Como apontam Lund e Nelson, os autores bíblicos se dirigem ao povo em geral. Por isso, não se servem de linguagem científica ou técnica, mas figurada e popular3. Sobre a questão, Henry Virkler, autor de Hermenêutica avançada: Princípios e processos de interpretação bíblica (Editora Vida), elucida: “O significado de um texto deve ser aquele que o autor tinha em mente, em vez dos significados que desejamos atribuir às suas palavras”4. E acrescenta: “Se rejeitamos este princípio, não resta critério normativo, obrigatório, que discrimine entre interpretações válidas e inválidas5”.

3º Considere o contexto histórico-cultural

A Bíblia é um livro atualíssimo, repleta de lições e verdades para os nossos dias. É a Palavra de Deus para o ontem, para o hoje e para o amanhã, que revela o plano de salvação ao homem e lhe mostra a forma de conduzir a vida. Ao interpretá-la, o estudioso não pode se esquecer de que ela foi escrita em outro tempo e contexto. Ele deve considerar o panorama histórico-cultural do autor bíblico, para melhor compreensão de suas referências, alusões e propósito.

“Deve-se considerar o panorama histórico-cultural do autor bíblico, para melhor compreensão de suas referências, alusões e propósito.”

Sobre a análise contextual, Virkler sugere ao leitor três questões que devem ser ponderadas durante a interpretação de uma passagem bíblica: 1º “Qual é a situação histórica geral com a qual se defrontam o autor e seus leitores?”; 2º “Quais os costumes cujo conhecimento esclarecerá o significado de determinadas ações?”; e 3º “Qual era o nível de comprometimento espiritual da audiência?”6.

Em todo o processo, vale destacar o conselho de Gordon Fee e Douglas Stuart, autores do clássico Entendes o que lês: Um guia para entender a Bíblia com auxílio da exegese e da hermenêutica (Editora Vida Nova): “O alvo de toda boa interpretação é simples: chegar ao ‘significado claro do texto’. E o ingrediente mais importante para cumprir essa tarefa, e que nunca podemos deixar de lado, é o bom senso suficientemente aguçado”7.

Pastor e líder, alimentem as “ovelhas” com zelo!

Se você é pastor ou líder, leve essas questões em consideração ao elaborar sermões, aulas de escola bíblica, compor ou dirigir louvores. Lembre-se de que sua comunidade precisa ser alimentada com a genuína pregação bíblica. Na dúvida acerca de uma questão, busque orientação, estude com afinco, consulte bons livros. Dessa maneira, não apenas você será edificado, mas viabilizará o ambiente propício para que suas “ovelhas” cresçam e se fortifiquem na caminhada cristã.•

Bibiografia:

1. Klein, William W. Introdução à interpretação bíblica. 1ª ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. 49.

2.3. Lund, Eric, (1852-1933) Hermenêutica: princípios de interpretação das Sagradas Escrituras. – 2. ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Vida, 2006. Pgs, 35 e 39, respectivamente.

4.5.6. Virkler, Henry A. Hermenêutica avançada: princípios e processo de interpretação bíblica. São Paulo: Editora Vida, 2007. Pg. 57, 60-61, respectivamente.

7. Fee, Gordon. D. Entendes o que lês?: um guia para entender a Bíblia com auxílio de exegese e da hermenêutica. 3ª edição revisada e ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2011. Pg. 24.

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Fique por dentro do que acontece na Sepal!

O Encontro Sepal 2020 acontece entre os dias 12 e 15 de maio, em  Águas de Lindoia, interior de SP.

Intitulada “Vida na vida: Na contramão dos relacionamentos líquidos”, a 47ª edição do Encontro terá como pano de fundo os desdobramentos da chamada “modernidade líquida”, teoria cunhada pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925–2017), que, entre outros tópicos, chama a atenção da sociedade para o crescente esfriamento das relações humanas. Como de costume, o evento contará com a participação de renomados preletores nacionais e estrangeiros e com uma série de atividades para o público. Para saber mais sobre o evento e realizar a sua inscrição, clique aqui.